» INTERVENÇÃO NO CONSELHO NACIONAL DO PSD EM 1 DE JULHO DE 2004 »
(MIGUEL VEIGA )
Compreendo, num plano pessoal, humano e até político, a aceitação pelo Dr. José Manuel Durão Barroso da Presidência da Comissão Europeia.
Mas, sublinho, que, para nós, portugueses e, antes de mais, nestes tempos difíceis de crise que Portugal atravessa, esse cargo, essa função não é mais importante do que a de Primeiro Ministro de Portugal. Sobretudo quando este governo, sob a sua batuta e direcção, tinha arduamente empreendido, contra ventos e marés, a execução de um programa de rigor, de severidade, de coragem, num estilo, numa marca louvavelmente não populista e até, honra lhe seja, anti-populista, que, impondo embora sacrifícios aos portugueses, se propunha remediar e sanar os perniciosos e gravosos efeitos herdados das derivas e dos desatinos da imponderada e desgraçada governação socialista. Nessa louvável empresa a que o Dr. Durão Barroso meritoriamente se lançou com severa e obstinada governação – e que sempre mereceu o nosso apoio e elogio – o Dr. Durão Barroso, como Ministro de Portugal, centrou-se e ancorou-se numa personalidade forte, séria, competente e não vacilante que, por ela própria e pela sua acção, demonstrou, no campo concreto do exercício governativo, ser a pedra axilar do seu elenco e do seu programa: a Ministra das Finanças, Drª Manuela Ferreira Leite, como tal segunda figura do seu governo.
Só que a execução do programa estava, como ainda está, a meio, tornando-se necessário, nos condicionalismos actuais, nacionais, europeus e mundiais, imprimir-lhe ainda mais vigor, mais rigor, mais competência e maior eficácia, o que os portugueses esperavam da qualidade, do talento, do patriotismo e do sentido de Estado e da governação do Primeiro Ministro de Portugal numa estratégia assente na continuidade, fundada na coerência da execução do programa e da acção governativa, e nessa estabilidade e nessa segurança que são indispensáveis a qualquer navegação para se chegar a bom porto, para levar a carta a Garcia, como sempre, aliás, o Primeiro Ministro não se cansava de invocar. Neste plano se referencia e reporta a decantada confiança política.
Só que a aceitação da presidência da Comissão Europeia implicava necessariamente o abandono, a vacatura da função de 1º Ministro de Portugal. E com ela, necessariamente também, a nomeação de um novo e outro 1º Ministro, ou de um 1º Ministro-outro no dizer Pessoano, com o seu respectivo e novo elenco governativo.
Só que, está de há muito escrito na nossa Constituição e até dito pelo histórico Constitucional (veja-se o pretendido governo Vitor Crespo e o propósito gorado de Mário Soares, depois de dissolvido o governo PS-CDS), que essa nomeação do 1º Ministro depende, em última e definitiva análise e em exclusiva e superior instância, da decisão única e discricionária do Presidente da República.
E, portanto, comportava ela o risco, seriíssimo, e o perigo, gravíssimo, de, não sendo aceite o nome proposto, acarretar a convocação de eleições antecipadas, interrompendo a execução do programa e ainda a ameaça terrível de, na nossa circunstância, os seus resultados nos poderem vir a ser desfavoráveis, levando-nos à entrega do poder, por 4 anos, aos socialistas com as consequências deletérias e nocivas para Portugal.
Havia, pois, necessária e previamente, que assegurar que esse risco, esse perigo, esse dano fossem esconjurados ou, pelo menos, minimizados a um risco menor e politicamente aceitável. O que se lhe impunha e era exigível.
Vejamos mais de perto.
São dois planos e duas questões distintas: a demissão dependente do Primeiro Ministro e decorrente da aceitação da Presidência da Comissão Europeia – um; outro, o segundo, consequência inevitável do primeiro, a escolha do novo Primeiro Ministro, cuja aceitação estava, como está, dependente do Presidente da República. Só que a decisão (demissão) do 1º punha o 2º (escolha do substituto) nas mãos do Presidente da República.
E, para influir e determinar porventura a vontade deste, era indispensável propor um novo Primeiro Ministro, senão igual ao primeiro, pelo menos dotado das qualidades pessoais e políticas que haviam norteado a acção do demissionário, dele e do seu governo. Uma personalidade, se não igual, ou um alter ego, pelo menos reconhecidamente, publicamente aceitável em termos de consensualidade, vale por dizer, capaz de assegurar a decantada continuidade e estabilidade na execução do programa governativo, gerador de confiança política.
Ora, para surpresa de todos nós e desencanto de muitos, entre os quais modestamente me incluo, nem esse processo foi preparado com segurança pois, pior que isso, foi lançada uma personalidade política, a do Dr. Pedro Santana Lopes – que eu estimo e a quem reconheço certas qualidades políticas embora amiúde me desgoste e me afaste do seu estilo, amiúde populista, e até me indisponha e afaste no plano das suas convicções políticas, sendo que as minhas são de arreigadas matrizes e desenvolvimentos social-democratas, ao arrepio de quem, como ele, já pretendeu fundir o PSD com o CDS num único partido, de direita dura e liberal, que ele já tinha baptizado de PSL, de partido social liberal. Quem é que subverte o legado e o sonho políticos de Francisco Sá Carneiro?
Personalidade esta do Dr. Pedro Santana Lopes que não só é questionável mas questionada, não só controversa mas controvertida, não só altamente discutível mas discutida mas, sobretudo, polémica em todos os meios da política portuguesa e da nossa sociedade.
Não há consenso quanto à sua competência ao nível de um Primeiro Ministro, quanto à sua credibilidade, à sua fiabilidade, à sua estabilidade e à sua espessura político-constitucional, requisitos indispensáveis não só à função mas à sua continuidade em termos de estabilidade e eficácia, à confiança que dele é exigível.
E, logo, realidade indiscutível, a projecção do seu nome, “et pour cause”, dividiu de alto a baixo o governo do próprio Primeiro Ministro de Portugal Dr. Durão Barroso. Da sua Ministra chave passando aos seus Ministros mais relevantes e competentes (v. gr. da Drª Manuela Ferreira Leite à Drª Teresa Gouveia, ao Dr. Marques Mendes e tutti quanti).
O Dr. Pedro Santana Lopes divide, não une o nosso PSD, e divide o nosso tradicional eleitorado, o Povo PSD. Não é consensual. É, ao invés, controvertido e polémico. E a sua propositura a Primeiro Ministro agravará as condições de estabilidade e continuidade, e nesse sentido falo de consensualidade, de confiança, o que poderá fazer pender, possivelmente a nosso desfavor, o juízo de convicção e de fundo do Presidente da República e a sua pronúncia decisória.
Será fácil, facílimo, prever o que lhe foram dizer a este respeito as personalidades para tanto auscultadas pelo Presidente da República já que, com ou sem declarações públicas, sabemos, e alguns de vós até sabê-lo-ão mais directa, imediata e pessoalmente, já que nunca esconderam nem escondem a este mesmo respeito a sua opinião e resposta. E que não são de agora.
Permito-me referenciar a um por todos, como presença e mentor tutelar do nosso PSD e de vós, na vossa imensa maioria, o Prof. Cavaco Silva! Não sabem alguns de vós? Perguntem-lhe, perguntem-lhe então o que ele pensa para melhor informarem e formarem o vosso juízo político.
Perante este ambiente dilemático, angustiante e dramático ( havida como a decisão mais complexa a tomar pelo Presidente da República) – eleições antecipadas ou não (as 1ªs com os riscos, os perigos e os danos gravíssimos para todos nós, para o nosso Partido, e sobretudo para o País), haverá, no meu entender que fazer o possível e o impossível, para tentar evitá-lo:
Procurar encontrar, dentro ou fóra do Partido, uma personalidade cujo perfil, cuja estatura, cuja competência, cujos méritos e cujas capacidades, reconhecidamente indiscutíveis, nos assegurassem a continuidade e a eficácia da governação empreendida, geradora da confiança política e, assim, da possibilidade de vir a ser aceite pelo Presidente da República e, consequentemente, de evitar as eleições antecipadas.
E não se diga que a previsível e próxima eleição do Dr. Pedro Santana Lopes como Presidente do PSD seria desde logo obstáculo impeditivo para tanto porquanto quer ele quer a comissão política poderiam, se assim o viessem a entender, tomar essa decisão de clarividência e humildade políticas.
O que ao Dr. Pedro Santana Lopes nem causaria engulhos de honestidade política ou de probidade intelectual já que foi ele quem defendeu, e acerrimamente como é do seu timbre, a possibilidade e até a vantagem da separação e repartição entre pessoas diferentes do cargo de Presidente do Partido e do cargo de Primeiro Ministro. A não ser que, na circunstância, ele já haja mudado novamente de opinião. O que, quanto a mim, também não me surpreenderia dada a sua conhecida e proverbial volubilidade e renovada versatilidade políticas. E, por mim falo, eu que aqui só falo estritamente de política e em termos políticos pois me recuso a outras evasões espúrias ou outras intromissões preconceituosas sobre o modo de vida de quem quer que seja.
E quanto às eleições que se seguem, de hoje?
A competência primeira e suprema para eleger o Presidente do Partido e da Comissão Política é do Congresso – órgão supremo do Partido – art. 14º, nº 1 al. d).
Ao Conselho Nacional, a este CN, compete (subsidiária e supletivamente), eleger o substituto de qualquer dos titulares dos órgãos nacionais do Partido no caso de vacatura do cargo ou de impedimento prolongado, sob proposta do respectivo órgão – artº 18º - 2.
Só que os planos são diferentes, diferentes são os universos do eleitorado, as opções e escolhas, os debates, as propostas, o contraditório, são radicalmente diferentes.
Todos nós o sabemos e, melhor do que ninguém, o próprio Dr. Pedro Santana Lopes, que já foi três vezes a Congresso, em três disputas homéricas, que todas elas perdeu.
Acresce que é ao Conselho Nacional que compete igualmente aprovar as propostas referentes ao apoio a uma candidatura à designação de candidato a Primeiro Ministro – al. f) do mesmo artigo.
Escolher o Presidente do Partido não é escolher o proposto a Primeiro Ministro. Insisto e sublinho com ênfase político.
São previsíveis, e largamente, os resultados favoráveis da votação deste conselho quanto à eleição do Dr. Pedro Santana Lopes como Presidente do Partido. O facto consumar-se-á, do que não tenho dúvidas nem alimento vãs expectativas, daqui a pouco.
Mas, permito-me questionar, será satisfeita a legítima ambição do Dr. Pedro Santana Lopes em ser Presidente do PSD com esta nomeação, em estado de necessidade, de substituição do Dr. Durão Barroso através deste universo supletivo e suplente do Conselho Nacional em relação ao universo supremo de um Congresso? A sua ambição, que é legítima, não sairá diminuída na sua legitimidade de fundo, que não já na sua legitimidade jurídico-formal, esta que tenho como indiscutível?
Entrar pela porta grande é uma coisa, entrar pela porta estreita, sumida e de emergência é outra sob o ponto de vista da legitimação de mérito e da credibilidade, da confiança política, reportada no seu grau e força, aos processos e aos universos dos diversos e distintos sufrágios.
Poderia até encarar uma presidência interina como 2º Vice-Presidente do Partido, em gestão corrente, e à imagem do governo, até ao próximo Congresso que seria convocado de urgência.
Senhores Conselheiros:
É este o meu entendimento. Uma coisa tenho como certa: temos a obrigação moral e política de evitar pretextos para que haja eleições antecipadas. É este o meu empenho. São estas as razões, o sentido e o propósito da minha consciência política, como PSD e como cidadão.
E sei, pela sua história, que o Partido é capaz de surpreender o País.
Declarou com ênfase o Dr. José Manuel Durão Barroso que não há pessoas insubstituíveis. Só que a questão não é essa. A questão é a de saber e escolher quem são os substitutos.
Finalmente:
Queria desejar-lhe Dr. José Manuel Durão Barroso, êxitos e sucessos no seu cargo de Presidente da Comissão Europeia. O que lhe exprimo como seu amigo, correligionário e convicto europeísta que desde sempre fui tal como o meu caro Amigo. Mas permita-me uma observação que embora timbrada de ironia, não deixa de ser pesadamente realista e política.
Como irá entender-se, no plano europeísta, com quem ainda há dias declarou, o que repito expressis et apertis verbis, “que irá bater o pé à Europa e lutar por um regresso à componente nacionalista”? As afirmações não são minhas, são do Dr. Pedro Santana Lopes. Sem comentários, por dispensáveis.
Vivo num estado de grande preocupação, da maior inquietação e de quase de angústia com os riscos e perigos da situação actual. O que me atormenta e me apoquenta. E muito, muitíssimo.
Não terminarei desta vez com a invocação de um poeta ou a citação de um escritor, muito aos meus gostos e tiques literários. Mas, sim, com um presságio da sabedoria popular: a minha antiga empregada veio acompanhar-me ao táxi que me levou ao avião e, no percurso, enquanto me batia amistosamente nas costas, dizia-me ela: “senhor doutor, não se apoquente, não se apoquente, não se apoquente tanto, saiba que uma desgraça nunca vem só. Uma desgraça nunca vem só! E por aqui me fico e tenho dito.
Sem uma única palma nem vaia, num silêncio sepulcral.