14.4.05

A LAGARTIXA E O JACARÉ 28


CONTRA OS NOSSOS INTERESSES E A CAMINHO DA IRRELEVÂNCIA

O “caso” do governo com a escolha de Freitas do Amaral é mesmo um caso e deve ser tomado a sério. O “caso” não é a ida de Freitas do Amaral para o governo socialista, nem a sua legitimidade, sem ser apoucado ou diminuído na sua integridade, por ter mudado de campo político. O “caso” está em que se Freitas do Amaral quer ser levado a sério pelas suas ideias e posições quanto àquilo que o levou a apoiar o PS nestas eleições, não tem sentido não o levar a sério nas posições que tem tomado nos últimos tempos em matéria de política externa. Ora, se tomarmos a sério a substância e mesmo a tão importante forma dessas opiniões, elas significam uma profunda inversão da nossa política externa em relação a aspectos do nosso tradicional posicionamento internacional. (Deixo de lado que Freitas do Amaral é também um federalista europeu com posições muito mais avançadas na defesa desse federalismo do que os federalistas envergonhados que abundam no PS e no PSD).
Ora não adianta esconder que a política que se fará no mundo, e nos sítios mais quentes do mundo, a começar pelo Médio Oriente, será a política definida pelos americanos da administração Bush, porque mal ou bem, é ela o motor das alterações políticas na região, do road map, à retirada síria do Líbano. Aquilo mesmo que parece hoje ser uma conversão dos EUA ao “multilateralismo” europeu, materializado nas visitas de Bush e Rice, é muito mais um desenvolvimento normal, e normalmente corrigido, do quadro de pressupostos que levaram os EUA à intervenção iraquiana. Os europeus que sabem, sabem muito bem que é assim, embora para se justificarem nas suas cedências as atribuam ao outro.
As posições de Freitas do Amaral, coerentes com as de Mário Soares, se forem tomadas à letra como acção governativa irão conduzir Portugal não só para a ultra-periferia do seu sistema atlântico de alianças, que ainda ninguém explicou porque é que deixou de servir os nossos interesses, e para um vazio diplomático que também já não serve aos interesses europeus. É do interesse da Europa aproximar-se dos EUA até porque sem o fazer será irrelevante em áreas vitais para existir diplomaticamente como o Médio Oriente. Ora um ministro dos negócios virulentamente anti-Bush está condenado a ser um anacronismo e a empurrar-nos para a irrelevância. Como aconteceu com a Espanha de Zapatero, que conta muito menos do que a de Aznar em quase tudo.


OS GAROTOS QUE BRINCAM COM A MEMÓRIA PORQUE A NÃO TEM NEM QUEREM TER

Poucas vezes vi o porta-voz do PS tão certeiro, no uso da sua qualidade de “portador” de uma voz, como quando classificou a atitude da direcção actual do PP de enviar o retrato de Freitas do Amaral para a sede do PS: “garotice” disse ele e disse muito bem. A palavra faz-nos lembrar uma característica do PP desde que Portas e Monteiro mataram o CDS, o partido é dirigido por jovens adultos arrogantes, indelicados, mal-educados e radicais, “garotos” em suma. Não é só de agora, já vem de há muito, nós é que estamos muito esquecidos do que o CDS era e o PP é. Não admira, o ofício principal dos garotos é destruir a memória, porque a memória ata e eles querem ter as mãos livres, e a memória ensina e eles acham que já nasceram ensinados, porque a memória obriga a pensar e eles só acreditam nas intuições rápidas dos “animais” políticos. É um estilo.


A IRÓNICA VITÓRIA DA JSD

Noutros tempos as vitórias da JSD costumavam ser medidas pelo seu grupo parlamentar. Agora como ele é inexistente, talvez valha a pena fazer uma introspecção sobre o seu papel no “santanismo” triunfante do passado e decadente no presente. Mas a ironia destas coisas é que ela é a verdadeira triunfadora simbólica das últimas eleições assumindo funções de verdadeiro “colo” para três dos dirigentes dos cinco partidos parlamentares, que fizeram escola nas “juventudes”: Santana Lopes, et pour cause, Sócrates e Portas antigos militantes da JSD. Talvez por isso, Jerónimo de Sousa aparecesse aos portugueses como a única pessoa normal, com o lastro da experiência de uma vida normal, sem ter nascido político de carreira, nem assessor ministerial, e vivido na alcatifa protegida da política profissional e do estado.


PACTO DE ESTABILIDADE

Toda a história do que vai mal na Europa pode vir a ser contada à volta do Pacto de Estabilidade. Exigido por alemães para ameaçar e punir Portugal e a Grécia nos seus maus hábitos orçamentais e para defender no euro a herança do marco; violado pelos franceses com jactância para defender o “seu” emprego e pelos alemães e portugueses por incompetência governamental; re-violado, se tal é possível, por franceses e alemães que se arrogaram o direito de exigir não serem sancionados por um acordo que tinham assinado quando pensavam que era para os outros; tri-violado quando os mesmos franceses e alemães impuseram à Comissão Prodi a inconsequência da sua violação e assim a tornaram ainda mais frágil; vai agora ser alterado pela grandiloquência arrogante de Chirac, com o “chanceler” ao lado, porque convém aos seus governos para que haja “crescimento”, ou seja, para o estado gastar mais e se ganharem eleições. Sempre unidos, sempre cegos, a quererem convencer-nos que os males da Europa estão no Pacto e não no “modelo social europeu” que os défices estão a pagar hipotecando o futuro.


SETA PARA A FRENTE, SETA PARA TRÁS

A cada vez mais clara diferença de velocidade de futuro entre os EUA e a Europa perpassava como uma epifania na conferência organizada pelo Presidente da República e dirigida por Manuel Castells. Os americanos falavam do crescimento do acesso sem fios à Internet e mostravam os mapas da cobertura que ia da Califórnia rica às reservas de índios, “americanos nativos” como se diz, parte da América pobre. Apareciam os exemplos e eles vinham de milhares de pequenas companhias, algumas com pouco mais de mil assinantes que serviam a sua comunidade, introduzindo inovações tecnológicas importantes que iam saindo das célebres garagens de onde também saiu a Apple e o MSDOS. No wireless as caixas de batatas fritas falsas da Pringle foram as primeiras antenas. Qual é a abissal diferença que entra pelos olhos dentro? O “espírito do capitalismo”, o espírito empresarial que impregna tudo, jovens que lêem o Popular Mechanics, universitários com talento, investidores argutos com imaginação na ponta do seu dinheiro e claro… todos ganham. Na Europa, fala-se de “novas tecnologias” e é o estado ou os gigantescos filhos dos monopólios do estado que contam. Estavam todos na sala a ver o mundo novo passar longe e depressa.

2 Comments:

Blogger Roberto Iza Valdés said...

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7:33 da manhã  
Blogger Roberto Iza Valdés said...

Este comentário foi removido por um gestor do blogue.

6:35 da manhã  

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