A LAGARTIXA E O JACARÉ 25 (Fevereiro 2005)
“VIRANÇA”
Na noite eleitoral, a candidata do BE Ana Drago enganou-se e inventou uma palavra nova: “virança”. Como diria um mendeliano louco, a coisa é o resultado dos amores da “mudança” com a “viragem”. Mas “virança” é uma boa palavra para descrever o que aconteceu no dia 20 de Fevereiro, embora os híbridos não se reproduzam. Ou seja, tivemos mudança e viragem, mas duvido que haja grandes frutos a prazo dessa “virança”, em particular, porque nos deixou quatro anos com o protótipo do adiamento amável, o neo-guterrismo socialista.
No dia da “virança” o que se passou foi um plebiscito a Santana Lopes. O PSD ofereceu um homem enredado nas suas idiossincrasias e não um líder partidário ou um programa. O resultado foi que a maioria dos portugueses não lhe quis dar o “colo”, nem prestar-lhe o favor “pessoal” que ele lhe pediu por carta, e parece ter abominado a personagem por todas as razões incluindo as da inteligência afectiva. Ponto.
Ficou-nos Sócrates, o que usa o nome do filósofo e se fez quase instantaneamente, do zero ao nada com tão absoluto sucesso como a maioria que conseguiu. Como agora cada vez mais acontece, o escolhido Primeiro-ministro foi-o porque o Outro (nos partidos há sempre o Outro) não quis. Vitorino não quis, ficou Sócrates, o que fez tudo “direitinho”. Para sabermos como é, ou seja o “tortinho” por baixo do “direitinho” há que analisar as duas ou três coisas que sabemos dele. Uma, que foi um razoável ministro do ambiente, gerindo a pasta de forma mais arejada, pós-Pimenta, do que o habitual. O conflito sobre a incineração foi o seu melhor, mostrou que podia associar a acção política a uma certa firmeza e determinação, mais as muito humanas qualidades da zanga e da irritação em funções. Foi e penso que ainda é, o melhor de Sócrates.
Depois “fez-se” na televisão em frente a Santana Lopes e isso para mim foi o pior de Sócrates: certinho, voando baixo, mimético com o outro, ortodoxo no fundamental, com a cara, o fato, o look, a voz certas para serem transformadas em marketing. Ficou-me claro que o Sócrates da RTP foi o Sócrates da campanha de 2005, um tenebroso indício.
O segundo melhor ponto a favor de Sócrates foi o conflito interno no PS pela liderança. Sócrates e Alegre personificaram diferenças de política verdadeiramente existentes e não fictícias e as posições de Sócrates enunciaram uma moderação que o deslocou para o centro do espectro político. Mais na forma do que no conteúdo, as suas recusas como a de insistir num novo referendo para o aborto e não numa mera vitória legislativa na Assembleia reposicionaram o PS que vinha de Ferro Rodrigues.
Mas se a moderação é uma virtude, não chega para as tarefas bem mais duras da governação. E aqui tudo o que foi preocupante nas conversas televisivas e na campanha de 2005, a começar pela completa ausência de urgência ou necessidade para medidas difíceis, vai ser a receita para o retorno do estilo do outro engenheiro, Guterres. Vai-se já ver no orçamento, tarefa quase imediata, como a “virança” vai ficar “quedança”.
O QUE NÃO VAI MUDAR
será a transumância dos boys. Podem já os senhores jornalistas começar a anotar as nomeações muito para além do âmbito compreensível da confiança política, quando o aparelho socialista, um pouco por toda a parte, começar a sempre eficaz tarefa de colocar os “seus” onde antes estavam os “deles”. De há muito apelo a uma definição estrita dos lugares de confiança política e da aceitação – algum terá que ser o primeiro – da estabilidade dos boys anteriores. Eu sei que isso parece injusto para a regra nomeado como boy, substituído por outro boy. Mas este ciclo só se encerra quando alguém fechar os olhos à camada anterior e não lhe acrescentar outra por cima. Mas Jorge Coelho é profundamente querido entre os socialistas por alguma coisa e essa alguma coisa é por chefiara o sindicato do emprego socialista, com maior eficácia, registe-se do que os dirigentes do idêntico sindicato do PSD.
BLOCO DE ESQUERDA E PP
são partidos muito mais parecidos do que alguma vez queiram admitir. São miméticos no seu ódio recíproco, como só os pequenos partidos podem odiar-se entre si na sua couraça de radicalidade. Tem ambos dirigentes muito semelhantes: o que é que há de mais parecido a Portas do que Louça e vice-versa? Ambos moralistas, self-righteous até dizer chega, não conseguem abrir a boca sem nos dar uma lição do que se deve ou não deve fazer. Ambos politicamente correctos um na sua missa, outro no seu ocasional e admitido charro, um no seu fato, outro na sua camisa, ambos usando o que vestem como uma farda de serviço, uma extensão do seu manifesto político.
Nestas eleições o BE ganhou ao PP, subiu onde ele desceu, também porque Louça é mais genuíno do que Portas. Portas não consegue esconder a agressividade, que nele assume a forma de arrogância, da pose. Querendo ser inglês, mordaz e cínico, anarco-conservador como vem nos livros e no Spectator, falta-lhe o estofo e o saber, e acaba por ser ultra-montano e beato, e ávido de uma realpolitik no fundo paroquial e provinciana. Louça é o que é há muito tempo, tem muito treino, é um ideólogo frio e capaz, tem o mundo completamente encaixado, sem uma dúvida, auxiliado por uma maior cultura e cosmopolitismo. A sua arrogância, parecida com a de Portas, manifesta-se pelo verbo, mas é menos susceptível de soçobrar no ridículo, até porque protegida por uma comunicação social simpatizante.
Depois o Portugal de Louça cresce e o de Portas encolhe. Os jovens radicais urbanos bem nascidos hão-de sempre ser mais do lado do Bloco, porque o politicamente correcto é a ideologia do nosso ensino, e só uma pequena minoria, não muito diferente na origem social mas de famílias diferentes, engrossa os admiradores do PP. Quem podia fazer crescer o PP, os empresários e a “cultura da iniciativa” desconfiam do radicalismo de Portas e preferem outros, Sócrates neste caso.
PARA LIMPAR A CABEÇA
não há nada como televisão, também da boa. Os Sete Palmos de Terra a que temos direito se não quisermos ser cremados e não nos desintegremos em serviço, são um bom exemplo da grande televisão americana. Dos mestres dos Sopranos, veio esta família disfuncional de cangalheiros e só podia vir dali, daquele reservatório de imaginação e criação, alimentado pela “indústria”, unindo profissionais muito competentes, começar pelos melhores guionistas e actores. Tudo para representar uma adolescente deprimida, uma mãe igualmente deprimida, um filho homossexual, cantor de coro e namorado de um polícia, ambos deprimidos, um outro filho deprimido vá-se lá a saber porquê porque parece saudável, a sua insuportável esposa, maternamente deprimida, um bebé de meses a treinar para ficar deprimido, e vários mortos, muito mais saudáveis e nenhum deprimido.
“VIRANÇA”
Na noite eleitoral, a candidata do BE Ana Drago enganou-se e inventou uma palavra nova: “virança”. Como diria um mendeliano louco, a coisa é o resultado dos amores da “mudança” com a “viragem”. Mas “virança” é uma boa palavra para descrever o que aconteceu no dia 20 de Fevereiro, embora os híbridos não se reproduzam. Ou seja, tivemos mudança e viragem, mas duvido que haja grandes frutos a prazo dessa “virança”, em particular, porque nos deixou quatro anos com o protótipo do adiamento amável, o neo-guterrismo socialista.
No dia da “virança” o que se passou foi um plebiscito a Santana Lopes. O PSD ofereceu um homem enredado nas suas idiossincrasias e não um líder partidário ou um programa. O resultado foi que a maioria dos portugueses não lhe quis dar o “colo”, nem prestar-lhe o favor “pessoal” que ele lhe pediu por carta, e parece ter abominado a personagem por todas as razões incluindo as da inteligência afectiva. Ponto.
Ficou-nos Sócrates, o que usa o nome do filósofo e se fez quase instantaneamente, do zero ao nada com tão absoluto sucesso como a maioria que conseguiu. Como agora cada vez mais acontece, o escolhido Primeiro-ministro foi-o porque o Outro (nos partidos há sempre o Outro) não quis. Vitorino não quis, ficou Sócrates, o que fez tudo “direitinho”. Para sabermos como é, ou seja o “tortinho” por baixo do “direitinho” há que analisar as duas ou três coisas que sabemos dele. Uma, que foi um razoável ministro do ambiente, gerindo a pasta de forma mais arejada, pós-Pimenta, do que o habitual. O conflito sobre a incineração foi o seu melhor, mostrou que podia associar a acção política a uma certa firmeza e determinação, mais as muito humanas qualidades da zanga e da irritação em funções. Foi e penso que ainda é, o melhor de Sócrates.
Depois “fez-se” na televisão em frente a Santana Lopes e isso para mim foi o pior de Sócrates: certinho, voando baixo, mimético com o outro, ortodoxo no fundamental, com a cara, o fato, o look, a voz certas para serem transformadas em marketing. Ficou-me claro que o Sócrates da RTP foi o Sócrates da campanha de 2005, um tenebroso indício.
O segundo melhor ponto a favor de Sócrates foi o conflito interno no PS pela liderança. Sócrates e Alegre personificaram diferenças de política verdadeiramente existentes e não fictícias e as posições de Sócrates enunciaram uma moderação que o deslocou para o centro do espectro político. Mais na forma do que no conteúdo, as suas recusas como a de insistir num novo referendo para o aborto e não numa mera vitória legislativa na Assembleia reposicionaram o PS que vinha de Ferro Rodrigues.
Mas se a moderação é uma virtude, não chega para as tarefas bem mais duras da governação. E aqui tudo o que foi preocupante nas conversas televisivas e na campanha de 2005, a começar pela completa ausência de urgência ou necessidade para medidas difíceis, vai ser a receita para o retorno do estilo do outro engenheiro, Guterres. Vai-se já ver no orçamento, tarefa quase imediata, como a “virança” vai ficar “quedança”.
O QUE NÃO VAI MUDAR
será a transumância dos boys. Podem já os senhores jornalistas começar a anotar as nomeações muito para além do âmbito compreensível da confiança política, quando o aparelho socialista, um pouco por toda a parte, começar a sempre eficaz tarefa de colocar os “seus” onde antes estavam os “deles”. De há muito apelo a uma definição estrita dos lugares de confiança política e da aceitação – algum terá que ser o primeiro – da estabilidade dos boys anteriores. Eu sei que isso parece injusto para a regra nomeado como boy, substituído por outro boy. Mas este ciclo só se encerra quando alguém fechar os olhos à camada anterior e não lhe acrescentar outra por cima. Mas Jorge Coelho é profundamente querido entre os socialistas por alguma coisa e essa alguma coisa é por chefiara o sindicato do emprego socialista, com maior eficácia, registe-se do que os dirigentes do idêntico sindicato do PSD.
BLOCO DE ESQUERDA E PP
são partidos muito mais parecidos do que alguma vez queiram admitir. São miméticos no seu ódio recíproco, como só os pequenos partidos podem odiar-se entre si na sua couraça de radicalidade. Tem ambos dirigentes muito semelhantes: o que é que há de mais parecido a Portas do que Louça e vice-versa? Ambos moralistas, self-righteous até dizer chega, não conseguem abrir a boca sem nos dar uma lição do que se deve ou não deve fazer. Ambos politicamente correctos um na sua missa, outro no seu ocasional e admitido charro, um no seu fato, outro na sua camisa, ambos usando o que vestem como uma farda de serviço, uma extensão do seu manifesto político.
Nestas eleições o BE ganhou ao PP, subiu onde ele desceu, também porque Louça é mais genuíno do que Portas. Portas não consegue esconder a agressividade, que nele assume a forma de arrogância, da pose. Querendo ser inglês, mordaz e cínico, anarco-conservador como vem nos livros e no Spectator, falta-lhe o estofo e o saber, e acaba por ser ultra-montano e beato, e ávido de uma realpolitik no fundo paroquial e provinciana. Louça é o que é há muito tempo, tem muito treino, é um ideólogo frio e capaz, tem o mundo completamente encaixado, sem uma dúvida, auxiliado por uma maior cultura e cosmopolitismo. A sua arrogância, parecida com a de Portas, manifesta-se pelo verbo, mas é menos susceptível de soçobrar no ridículo, até porque protegida por uma comunicação social simpatizante.
Depois o Portugal de Louça cresce e o de Portas encolhe. Os jovens radicais urbanos bem nascidos hão-de sempre ser mais do lado do Bloco, porque o politicamente correcto é a ideologia do nosso ensino, e só uma pequena minoria, não muito diferente na origem social mas de famílias diferentes, engrossa os admiradores do PP. Quem podia fazer crescer o PP, os empresários e a “cultura da iniciativa” desconfiam do radicalismo de Portas e preferem outros, Sócrates neste caso.
PARA LIMPAR A CABEÇA
não há nada como televisão, também da boa. Os Sete Palmos de Terra a que temos direito se não quisermos ser cremados e não nos desintegremos em serviço, são um bom exemplo da grande televisão americana. Dos mestres dos Sopranos, veio esta família disfuncional de cangalheiros e só podia vir dali, daquele reservatório de imaginação e criação, alimentado pela “indústria”, unindo profissionais muito competentes, começar pelos melhores guionistas e actores. Tudo para representar uma adolescente deprimida, uma mãe igualmente deprimida, um filho homossexual, cantor de coro e namorado de um polícia, ambos deprimidos, um outro filho deprimido vá-se lá a saber porquê porque parece saudável, a sua insuportável esposa, maternamente deprimida, um bebé de meses a treinar para ficar deprimido, e vários mortos, muito mais saudáveis e nenhum deprimido.
2 Comments:
Sob estes efeitos é impossivel pensarem melhor. http://www.bbc.co.uk/portuguese/ciencia/story/2005/03/050301_maconhamtc.shtml
http://www.ajferrao.blogspot.com/
Parece mais viragem com vingança...
Enviar um comentário
<< Home