7.12.04

A LAGARTIXA E O JACARÉ 12 (Novembro 2004)

NÃO

3. DOS “PEQUENOS PASSOS” À CORRERIA

A Europa tem vindo a fazer-se com sucesso pelo “método dos pequenos passos”, que Jean Monnet preconizou desde início. Nas suas primeiras duas décadas constitui-se como Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (1951), e passou a Comunidade Económica Europeia no Tratado de Roma (1957). Alargou-se, pouco a pouco, até na década de oitenta ter quinze países europeus. Deu um salto importante com o Acto Único Europeu (1986), os Tratados de Maastricht (1993) e Amesterdão (1997). Criou-se o Mercado Comum e mais tarde a moeda única. Nesses quarenta e cinco anos iniciais conseguiu resolver a fractura que provocara duas guerras na Europa e constituir-se como a principal potência económica mundial. Esteve sempre do lado da história, tal como a história se desenrolou no nosso mundo ocidental. Muitos dos mais importantes países da CEE faziam parte da OTAN, a aliança anticomunista que travou o expansionismo soviético na Europa. O seu próprio processo de unificação económica acompanha a revolução mundial conhecida como a globalização. Passo a passo, pouco a pouco, consolidando o adquirido antes de tentar novos voos. Com prudência, um velho valor da política europeia desde Aristóteles.
Depois perdeu o pé, começou a deslizar. A guerra na Jugoslávia mostrou até que ponto a Europa deixara de controlar os seus destinos em termos de paz e guerra. Deveria ser uma guerra europeia, centrada numa intervenção europeia, e acabou por exigir uma intervenção americana. E, no vazio do pós-guerra fria, as últimas versões do gaullismo, versão Mitterrand, e versão Chirac, começaram a transportar para a Europa uma pseudo-identidade assente na competição com os EUA, o mais importante aliado da Europa, cujas tropas tinham garantido a sua liberdade, e o verdadeiro autor, depois de 1945, do plano que fazia assentar na “unidade” da Europa democrática, a sua paz e prosperidade.
Esta perda de pé, aconteceu no momento em que os socialistas dominavam a maioria dos governos europeus, de Guterres a Blair. Era a geração dos “líderes fracos”, de que muito se falava sem tirar consequências, e não se caracterizava por uma especial coragem em defrontar os problemas europeus, em proporção inversa da sua abundante retórica e do gosto pela “engenharia política”. E os problemas típicos de uma crise de crescimento da Europa somavam-se: a guerra da Jugoslávia mostrava a inanidade da defesa europeia, sem os EUA e para alguns isso era “humilhante”; as “políticas comuns” revelavam cada vez mais a desigualdade que geravam e o egoísmo nacional dos países que mais delas beneficiavam, e o “alargamento” a prazo, prometido com excessiva rapidez, suscitava cada vez mais preocupações. Face a tudo isto, os principais governantes, sob liderança de franceses e alemães, em vez de começarem a defrontar estes problemas, enterraram a cabeça na areia sob a forma de uma fuga em frente. O resultado final dessa fuga em frente é a Constituição Europeia.

(Continua)

A CARTA

Segundo o Diário Económico, o Primeiro-ministro prepara-se para escrever uma carta aos portugueses sobre o Orçamento Geral do Estado. O que nos vai dizer o Primeiro-ministro? Que subiu ordenados da função pública, que baixou impostos e que subiu pensões? Que aumentou as despesas de investimento? Que tudo é possível sob a sua governação?
O que é o OGE dizem-nos os jornais todos os dias, consta das declarações do Primeiro-ministro e do Ministro das Finanças, foi discutido no parlamento, motivou dezenas de artigos de diferentes opiniões, embora com a estranha tendência generalizada para considerarem o OGE como negativo para o país. A isso pode-se acrescentar a avaliação da Comissão Europeia e de uma série de estudos realizados pelas principais empresas internacionais de rating e auditoria, que acompanham a economia portuguesa, e cujo conselho é seguido pelos governos e pelos investidores estrangeiros. A Standard & Poor's, a mais importante empresa de ratings, no mundo, resume essa apreciação: “negativo”. Estranha falta de contraditório, que deve ser o motivo pelo qual a carta primo-ministerial vai ser escrita.
Se se confirmar a notícia está-se perante um típico acto de propaganda, porque duvido que seja o esclarecimento dos portugueses o objectivo da carta. Sendo assim, façam o favor de poupar o nosso dinheiro que este tipo de publicidade pelo correio é muito cara. Na minha caixa do correio, juntar-se-á à outra publicidade não solicitada, ou será que a lei que me defende a caixa do correio dos abusos publicitários não funciona para a missiva governamental?


ARAFAT


No momento da sua esperada morte Arafat é endeusado por aquilo que não é, nunca foi, e dificilmente será para a história: um “homem de paz”. Bem pelo contrário. Arafat, se a história tiver qualquer justiça, será julgado com grande severidade pelos resultados a que a sua política levou os palestinianos. Ele foi o principal responsável pelo impasse em que caíram as negociações com Israel para a independência do estado palestiniano, e pela última decisão de relevo que tomou como dirigente politico-militar, o iniciar da Intifada que ainda hoje prossegue, que trouxe um enorme sofrimento a palestinianos e israelitas, enfraqueceu até ao limite as forças mais moderadas a favor da paz, entregando uma parte significativa do controle dos territórios a grupos como o Hamas.
Com Arafat, nenhum líder palestiniano moderado sobreviveu, às suas manobras políticas, e várias vezes deu luz verde á criação de ainda mais milícias envolvidas em atentados terroristas, dependentes da Fatah. Será também avaliado pela enorme corrupção que grassa na Autoridade Palestiniana, que recebe fundos muito significativos, principalmente da UE, e os faz desaparecer quer em actividades terroristas, quer para contas no estrangeiro controladas pela elite política da OLP. Não é um balanço brilhante.