A LAGARTIXA E O JACARÉ 9 (Outubro 2004)
A EMISSÃO MINISTERIAL
Este título é o de um episódio da série “Sim Senhor Primeiro-Ministro”, talvez a melhor série televisiva de sempre sobre a vida política em democracia. Muito antes da mediatização da vida pública atingir o grau que tem hoje, as personagens do episódio representam o teatro perfeito da preparação de uma “emissão ministerial”, quando o Primeiro-Ministro Jim Hacker quis falar ao país. Desta vez, a figura que contracena com o Primeiro-ministro, não é a sua habitual Nemesis, Sir Humprey, o chefe da função pública, mas alguém a que hoje chamaríamos um assessor de imagem. Na sala da gravação está o chefe do gabinete, o responsável pelo texto do discurso, o assessor de imagem e uma responsável pela maquilhagem.
Tudo o que eles aconselham e desaconselham está no filme do tempo de antena do nosso Primeiro-Ministro desta semana (o tal que, filmado pela RTP, foi copiado para a SIC e a TVI à falsa fé, e andou em correrias electrónicas para dar a trapalhada das nove horas que afinal são oito, toda uma história rocambolesca bem pouco digna do modo como a comunicação social é tratada do ponto de vista utilitário e nós como imbecis).
O cenário diz tudo. Ao fundo um indistinto quadro moderno para dar cor, como um fundo de ecrã de computador, e atrás uma fotocopiadora, a “mobília moderna”. No “Sim Senhor Primeiro Ministro” aconselha-se pintura abstracta e móveis modernos quando não se quer dizer nada. Depois, sinais para todos os públicos, para que ninguém se sinta de fora: duas bandeiras, Portugal e UE, e rosas laranja, para o “PPD-PSD”. O retrato do Papa para a nação católica e fidelíssima. Um livro longo, verdadeiramente um álbum mais do que um livro, a ter o mesmo papel dos tinteiros de prata, um tijolo de matéria para ocupar a mesa, mas servindo como metáfora de cultura. O livro é, tanto quanto se pode ver, sobre um monumento antigo e não é o protótipo dos livros para ler. Livro de mesa de café. O telefone, a indiciar decisão e ordens. Um pisa-papeis de cristal, imagem da ordem e da autoridade. Um dossier com capa de plástico símbolo do trabalho, ler dossiers, trabalho do Primeiro-ministro. Se fosse em Inglaterra seria uma pasta de couro, mas decididamente não estamos em Inglaterra. Os papéis do tempo de antena, (depois do tele-ponto, os papéis são um arcaísmo da comunicação televisiva) incomodando as mãos.
Mensagem de tudo isto? Diria o assessor do “Sim Senhor Primeiro Ministro”: propaganda tão evidente que não é eficaz. Ah! E depois, como nos artigos do Diário de Notícias, os ajustes de contas com “alguns”, coisas semelhantes às que Jim Hacker também queria meter no seu discurso, as “coisas que agradavam ao partido”, o exorcismo dos outros, do “ruído”. Exactamente o que nunca se deve fazer num discurso em que se fala em nome do estado.
OS APRENDIZES DE FEITICEIRO
Há uma geração de políticos menores que fizeram escola como aprendizes de feiticeiro da comunicação social. O grosso da sua escola de feitiçaria foi feito pelo método da “fonte”. De serem ou mandarem outros serem, (o que mais está na moda), “fontes anónimas” dos jornalistas. Esta expressão é enganadora porque dá uma ideia estática, como se isso de ser “fonte” se limite a fazer uns telefonemas negociando esta ou aquela informação ou opinião anónima, como fazia a assessora do PGR. Não a coisa vai mais longe e é comunitária.
Estes aprendizes têm um grupo de entreajuda que inclui jornalistas, de um modo geral pouco prestigiados pelo seu trabalho de jornalistas, mas activos nas colunas sociais, nos boatos da redacção, em jornais especializados em intrigas, em pseudo-notícias e, em geral, no submundo da informação. Assinam raramente com o nome próprio, mas usam pseudónimos, com uma interessante predilecção pelos pseudónimos femininos. Aí fazem os ajustes de contas da comunidade a que pertencem, através de “notícias”, “antecipações”, boatos, processos de intenção, toda a parafernália da “informação” moderna. O amiguismo com determinados políticos garante-lhes sempre uns empregos obscuros, mas surpreendentemente bem pagos. Vivem por conta e por isso são militantes das mesmas causas dos seus políticos, ou melhor, são militantes dos seus políticos, ponto. É com eles que se fazem as “centrais da comunicação”.
GUINÉ – FECHAR OS OLHOS
Um dos aspectos em que a nossa política externa é pura realpolitik é a que diz respeito aos chamados PALOPS. Viu-se agora na Guiné, como a CPLP e Portugal se tentam comportar como os franceses na Costa do Marfim. Era assim em Angola e é assim na Guiné.
O exemplo da Guiné chega. Um motim por salários e condições de vida nos quartéis, a que se associam motivos tribais pouco relatados, leva à morte de vários oficiais generais, alguns com requintes de selvajaria. Tudo indica que, por exemplo, o Chefe do Estado Maior foi torturado e morto à pancada, outro foi atirado de uma janela. Logo a seguir entra em jogo a diplomacia da CPLP para que o motim não seja um “golpe de estado”, preocupação puramente formal quando se sabe que a primeira coisa que os revoltosos exigem é uma “amnistia”, quanto ao motim e aos assassinatos, e novas promessas de satisfação das reivindicações. O dinheiro para lhes pagar é recolhido dos países doadores e distribuído, com o habitual desvio para a corrupção. E tudo volta aos quartéis contente e feliz. Menos os mortos. Violações dos direitos humanos, crimes? Nenhum problema, não pode é haver um “golpe de estado”. Até à próxima.
A PIOR FRASE DA SEMANA
“Um vendedor de antenas parabólicas, que se acha crítico de televisão, e da Imprensa em geral, passou aos insultos pessoais. Diz tudo do seu carácter e estatura mental. Trate-se, ECT. Interne-se, num hospital psiquiátrico."
(Luis Delgado)
Esta frase é dita em resposta a um artigo de Eduardo Cintra Torres no Público, criticando a nomeação de Luís Delgado para a cabeça do maior grupo de comunicação social português, pertencente ao estado, resultado do milagre de uma golden share deixada pelo tandem Pina Moura - Guterres para que o governo re-nacionalizasse na prática uma boa parte do que privatizara. Como nunca nenhum governo deita fora um poder que tem, ou que lhe deixam, a golden share guterrista passou para o actual governo, dando à fome alguma fartura. (Aliás, a julgar pelos silêncios do PS sobre esta matéria, um futuro governo do PS também espera herdar a muito últil golden share e nomear uma variante socialista de Delgado).
Delgado, um jornalista menor, sem carreira que o justifique, começou a ser promovido pelas mais que obvias fidelidades políticas. Foi nomeado director da Lusa e agora, passando tudo e todos, inclusive o seu antigo director, hoje seu subordinado, foi escolhido para o cargo singular mais importante do sistema comunicacional português. E, atacado por isto mesmo, respondeu com esta frase tipicamente soviética, mostrando o seu nível de indignidade. Era na URSS que os hospitais psiquiátricos tinham esta função, mas também é verdade que a lógica da ascensão de Delgado também aí seria idêntica.
A EMISSÃO MINISTERIAL
Este título é o de um episódio da série “Sim Senhor Primeiro-Ministro”, talvez a melhor série televisiva de sempre sobre a vida política em democracia. Muito antes da mediatização da vida pública atingir o grau que tem hoje, as personagens do episódio representam o teatro perfeito da preparação de uma “emissão ministerial”, quando o Primeiro-Ministro Jim Hacker quis falar ao país. Desta vez, a figura que contracena com o Primeiro-ministro, não é a sua habitual Nemesis, Sir Humprey, o chefe da função pública, mas alguém a que hoje chamaríamos um assessor de imagem. Na sala da gravação está o chefe do gabinete, o responsável pelo texto do discurso, o assessor de imagem e uma responsável pela maquilhagem.
Tudo o que eles aconselham e desaconselham está no filme do tempo de antena do nosso Primeiro-Ministro desta semana (o tal que, filmado pela RTP, foi copiado para a SIC e a TVI à falsa fé, e andou em correrias electrónicas para dar a trapalhada das nove horas que afinal são oito, toda uma história rocambolesca bem pouco digna do modo como a comunicação social é tratada do ponto de vista utilitário e nós como imbecis).
O cenário diz tudo. Ao fundo um indistinto quadro moderno para dar cor, como um fundo de ecrã de computador, e atrás uma fotocopiadora, a “mobília moderna”. No “Sim Senhor Primeiro Ministro” aconselha-se pintura abstracta e móveis modernos quando não se quer dizer nada. Depois, sinais para todos os públicos, para que ninguém se sinta de fora: duas bandeiras, Portugal e UE, e rosas laranja, para o “PPD-PSD”. O retrato do Papa para a nação católica e fidelíssima. Um livro longo, verdadeiramente um álbum mais do que um livro, a ter o mesmo papel dos tinteiros de prata, um tijolo de matéria para ocupar a mesa, mas servindo como metáfora de cultura. O livro é, tanto quanto se pode ver, sobre um monumento antigo e não é o protótipo dos livros para ler. Livro de mesa de café. O telefone, a indiciar decisão e ordens. Um pisa-papeis de cristal, imagem da ordem e da autoridade. Um dossier com capa de plástico símbolo do trabalho, ler dossiers, trabalho do Primeiro-ministro. Se fosse em Inglaterra seria uma pasta de couro, mas decididamente não estamos em Inglaterra. Os papéis do tempo de antena, (depois do tele-ponto, os papéis são um arcaísmo da comunicação televisiva) incomodando as mãos.
Mensagem de tudo isto? Diria o assessor do “Sim Senhor Primeiro Ministro”: propaganda tão evidente que não é eficaz. Ah! E depois, como nos artigos do Diário de Notícias, os ajustes de contas com “alguns”, coisas semelhantes às que Jim Hacker também queria meter no seu discurso, as “coisas que agradavam ao partido”, o exorcismo dos outros, do “ruído”. Exactamente o que nunca se deve fazer num discurso em que se fala em nome do estado.
OS APRENDIZES DE FEITICEIRO
Há uma geração de políticos menores que fizeram escola como aprendizes de feiticeiro da comunicação social. O grosso da sua escola de feitiçaria foi feito pelo método da “fonte”. De serem ou mandarem outros serem, (o que mais está na moda), “fontes anónimas” dos jornalistas. Esta expressão é enganadora porque dá uma ideia estática, como se isso de ser “fonte” se limite a fazer uns telefonemas negociando esta ou aquela informação ou opinião anónima, como fazia a assessora do PGR. Não a coisa vai mais longe e é comunitária.
Estes aprendizes têm um grupo de entreajuda que inclui jornalistas, de um modo geral pouco prestigiados pelo seu trabalho de jornalistas, mas activos nas colunas sociais, nos boatos da redacção, em jornais especializados em intrigas, em pseudo-notícias e, em geral, no submundo da informação. Assinam raramente com o nome próprio, mas usam pseudónimos, com uma interessante predilecção pelos pseudónimos femininos. Aí fazem os ajustes de contas da comunidade a que pertencem, através de “notícias”, “antecipações”, boatos, processos de intenção, toda a parafernália da “informação” moderna. O amiguismo com determinados políticos garante-lhes sempre uns empregos obscuros, mas surpreendentemente bem pagos. Vivem por conta e por isso são militantes das mesmas causas dos seus políticos, ou melhor, são militantes dos seus políticos, ponto. É com eles que se fazem as “centrais da comunicação”.
GUINÉ – FECHAR OS OLHOS
Um dos aspectos em que a nossa política externa é pura realpolitik é a que diz respeito aos chamados PALOPS. Viu-se agora na Guiné, como a CPLP e Portugal se tentam comportar como os franceses na Costa do Marfim. Era assim em Angola e é assim na Guiné.
O exemplo da Guiné chega. Um motim por salários e condições de vida nos quartéis, a que se associam motivos tribais pouco relatados, leva à morte de vários oficiais generais, alguns com requintes de selvajaria. Tudo indica que, por exemplo, o Chefe do Estado Maior foi torturado e morto à pancada, outro foi atirado de uma janela. Logo a seguir entra em jogo a diplomacia da CPLP para que o motim não seja um “golpe de estado”, preocupação puramente formal quando se sabe que a primeira coisa que os revoltosos exigem é uma “amnistia”, quanto ao motim e aos assassinatos, e novas promessas de satisfação das reivindicações. O dinheiro para lhes pagar é recolhido dos países doadores e distribuído, com o habitual desvio para a corrupção. E tudo volta aos quartéis contente e feliz. Menos os mortos. Violações dos direitos humanos, crimes? Nenhum problema, não pode é haver um “golpe de estado”. Até à próxima.
A PIOR FRASE DA SEMANA
“Um vendedor de antenas parabólicas, que se acha crítico de televisão, e da Imprensa em geral, passou aos insultos pessoais. Diz tudo do seu carácter e estatura mental. Trate-se, ECT. Interne-se, num hospital psiquiátrico."
(Luis Delgado)
Esta frase é dita em resposta a um artigo de Eduardo Cintra Torres no Público, criticando a nomeação de Luís Delgado para a cabeça do maior grupo de comunicação social português, pertencente ao estado, resultado do milagre de uma golden share deixada pelo tandem Pina Moura - Guterres para que o governo re-nacionalizasse na prática uma boa parte do que privatizara. Como nunca nenhum governo deita fora um poder que tem, ou que lhe deixam, a golden share guterrista passou para o actual governo, dando à fome alguma fartura. (Aliás, a julgar pelos silêncios do PS sobre esta matéria, um futuro governo do PS também espera herdar a muito últil golden share e nomear uma variante socialista de Delgado).
Delgado, um jornalista menor, sem carreira que o justifique, começou a ser promovido pelas mais que obvias fidelidades políticas. Foi nomeado director da Lusa e agora, passando tudo e todos, inclusive o seu antigo director, hoje seu subordinado, foi escolhido para o cargo singular mais importante do sistema comunicacional português. E, atacado por isto mesmo, respondeu com esta frase tipicamente soviética, mostrando o seu nível de indignidade. Era na URSS que os hospitais psiquiátricos tinham esta função, mas também é verdade que a lógica da ascensão de Delgado também aí seria idêntica.
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