14.9.04

A RE-NACIONALIZAÇÃO DA COMUNICAÇÃO SOCIAL (Dezembro 2000)

A compra da Lusomundo pela PT e a hipótese de se concretizar idêntica compra da Media Capital, junta na PT um dos grupos mais poderosos de comunicação social em Portugal. Com um mesmo dono ficarão entre outros o Diário de Notícias, o Jornal de Notícias, a TSF, portais do Internet e eventualmente a TVI, o Diário Económico, e vários outros jornais regionais e rádios. A justificação oficial dessa compra está na necessidade de unir "conteúdos" com plataformas de telecomunicações, uma tendência característica dos "negócios" na área estratégica da nova economia. Tudo isto parece idêntico ao que se passa nos outros países e o "negócio" fundamentado em tendências correntes da economia. Mas esta inocente análise, tão conveniente ao poder, esconde uma perigosa consequência para a qualidade da nossa democracia.
O que se passa na realidade é a re nacionalização da comunicação social em Portugal pelo estado, feita por um governo socialista que tem uma longa tradição de defender uma comunicação social do estado, e com idêntico historial de se opor à privatização. Nenhuma privatização de qualquer órgão de comunicação social do estado foi de iniciativa do PS, que se lhes opôs no tempo de Cavaco Silva, defendendo a outrance os monopólios não só da RTP, da RDP, e da Lusa públicas, mas também que um órgão de comunicação social escrita, o Diário de Notícias, permanecesse no sector público. Felizmente que tal não aconteceu.
Hoje tal desejo estatizante foi conseguido por detrás da capa dos novos "negócios" e será provavelmente esta a via que condicionará a evolução da RTP, que será parcialmente (e falsamente) "privatizada", colocando nas mãos disfarçadas do Governo, através das mãos descobertas dos gestores por ele escolhidos, decisões fundamentais para a liberdade de expressão e o debate contraditório em Portugal. Todo este processo está a desenvolver se no meio da habitual indiferença da opinião pública e incompreensíveis hesitações da oposição.
Alguns directores de órgãos de comunicação social do grupo Lusomundo, entenderam escrever editoriais ou dizerem que o "negócio" não impedia a liberdade editorial que eles próprios garantiam nos órgãos de comunicação. Não contesto a genuinidade das suas convicções de que assim seja, mas acho que, estão a ser pouco cautelosos e a desprevenir os seus leitores e ouvintes, e em geral os portugueses quanto às consequências do que se está a passar. De facto, como jornalistas, com responsabilidades de direcção, eles devem ser os primeiros a saber que justificar o que se passou como se fosse "apenas" um "bom negócio" nestes tempos de nova economia ilude o essencial: o papel do governo no "negócio" e a dependência do governo da PT através da chamada "golden share". Eles vieram garantir com grande ingenuidade, que nenhum comando político será possível, visto que as opções do "negócio" não terão reflexos editoriais e, que se tratava por parte da PT, apenas de comprar "conteúdos", para potenciar a sua plataforma de distribuição. A própria justificação deste "negócio", feita desta forma acrítica, é já preocupante.
O que se passa é que nesta aquisição da PT há questões políticas incontornáveis e que devem ser descritas com toda a clareza para se perceber bem: quem manda na PT é o governo, e dificilmente alguém imagina a decisão da compra da Lusomundo (e eventualmente de outras compras a haver) sem que tal passasse por uma decisão do governo. Tem sido política do tandem, Primeiro Ministro Guterres, Ministro Pina Moura, privatizar na aparência, e reforçar o controle do governo através de golden shares, do exercício da tutela e da nomeação de gestores de confiança política, e da interferência directa do governo em actos normais de gestão. Isto coloca a decisão da PT numa luz diversa da de um mero "negócio". A PT não é uma empresa privada qualquer é um instrumento "estratégico" do governo e do poder socialista e já não é de agora que é assim.
Dito com a brutalidade das grandes verdades, a cadeia de comando vai do Ministro Jorge Coelho, para o Presidente do Conselho de Administração Murteira Nabo e, quer um quer outro, não são pessoas vulgares mas socialistas com funções politizadas: o Ministro Coelho é o que se sabe e o Eng. Murteira Nabo só não foi ministro, pela razão que também se sabe. Com a golden share do estado, as decisões últimas sobre qualquer grande negócio da PT vão a Conselho de Ministros, formal ou informal, e é por isso que quando eles estão a mexer nos "conteúdos", mesmo que em nome dos "negócios", se possa suscitar necessariamente uma questão política séria de liberdade e pluralismo. E se não se suscita, então a coisa é ainda mais séria, porque se está a jogar ou no amorfismo ou, pior ainda, em obscuros compromissos de que muitas vezes a própria oposição não está isenta, em empresas geridas pelo método do "bloco central".
Na verdade, o que se está a passar é que sob a autoridade última do governo socialista, se encontra hoje o mais poderoso grupo da comunicação social existente em Portugal e a acrescer exponencialmente, somando se aos canais da televisão e da rádio pública eles também cada vez mais governamentalizados. Este grupo, que tem aliás todos os tiques de um monopólio de estado, agora possui "conteúdos". A palavra "conteúdos", é um eufemismo enganador, que também tem sido usado com uma displicência inadmissível pelos defensores do "negócio". Esses "conteúdos" são o jornal que nós lemos, a televisão que vemos, a rádio que ouvimos. Antes era jornalismo, agora é um "conteúdo".
Já ninguém é suficientemente ingénuo para pensar que a interferência do governo na comunicação social se faz por telefonemas directos dos ministros, embora ainda os haja. As formas são mais sofisticadas, uma das quais são as "reestruturações" em nome da eficácia dos "negócios" que condicionam carreiras, postos, compromissos e o destino de jornais e rádios. Também aí há alguém a premiar quem se porta bem e quem se porta mal e esse alguém está no governo, ou depende do governo.