23.7.04

O CUSTO DO POPULISMO E DA DEMAGOGIA (Fevereiro 2001)

O acidente ocorrido com a queda da ponte sobre o Douro não retrata um problema conjuntural português, mas sim um problema estrutural. É verdade que, como em muitos acidentes, muitas causas próximas aparecem para explicar o laxismo e a incúria que fez a ponte cair. É o caso da extracção de areias que se faz de forma selvagem, mas debaixo dos olhos de todos, um pouco por todo o país, é o caso da destruição das estruturas da JAE, é o caso da incompetência e irresponsabilidade das nomeações políticas.

Mas não é este o problema de fundo que fez a ponte cair. A ponte caiu por uma questão mais antiga, mais incrustada no tecido da vida política portuguesa, indissociável de 150 anos de populismo democrático: o facto de quase todas as obras públicas em Portugal terem sido realizadas em função de interesses clientelares, dos caciquismos políticos e locais, e das necessidades eleitorais dos partidos. Tinha que acontecer em Castelo de Paiva, porque quem conhece Castelo de Paiva sabe que o concelho é irrelevante para qualquer interesse deste tipo porque tem poucos eleitores, estão perdidos na margem errada do Douro, e por isso mesmo, tem as piores estradas, nulas "acessibilidades", como agora se diz, e está, condenado a reproduzir o seu atraso, de governo em governo.

Eu vejo as pessoas louvarem as funções do ministro Jorge Coelho, como "ligação" do Governo ao PS. Mas será que as pessoas sabem o que é essa "ligação" ? Essa "ligação" é ouvir as sugestões das estruturas partidárias quanto às nomeações para cargos públicos dos boys e girls do PS, é "orientar" a governação em função dos interesses eleitorais locais e nacionais do PS. Qual é o principal instrumento dessa "ligação" ? As obras públicas: a distribuição pelo concelho A, onde um autarca está em dificuldades, de um quartel de bombeiros; pelo concelho B, porque tem uma secção do partido poderosa, de uma abertura de uma estrada; pelo concelho C, porque o governo quer aí investir para ganhar as eleições, de um hospital.

Devo dizer, com toda a clareza, que o PSD também o fazia exactamente na mesma quando estava no governo. E digo isto porque, para que os acidentes como este sirvam para funcionar como um ponto sem retorno para os partidos e os governantes, tem que se falar assim ou então fica tudo na mesma e, passado a poeira mediática, o luto fica lá enterrado em Raiva, e tudo volta à "normalidade": a distribuição por razões eleitorais das obras públicas.

O preço do populismo e da demagogia nem sempre é facilmente verificável, a não ser quando há uma tragédia e percebe-se que, por detrás dela, há um conjunto de actos que sabem a propaganda, a reeleição, a protagonismo - muitos jogos e muito circo - e nada de construído, que fique, que resista. A demagogia é assim: não é o princípio do bom governo, o desenvolvimento equilibrado do Estado, o dar a quem mais precisa o que é necessário que conta, mas sim as pressões do maior número, ou de quem fala mais alto. É também por isto que muitos concelhos não têm saneamento básico, que fica por baixo do chão e não se vê, ou tem obras faraónicas e inúteis, lagos, repuxos e metros, que ninguém usa, mas enchem o olho. O mal vem da inexistência de uma cultura de serviço público e da fragilidade da relação democrática a todos os níveis da decisão política e da administração pública.

Escrevo isto em vésperas de eleições autárquicas particularmente atreitas a manifestações de populismo e demagogia. O governo, basta lembrar a história do queijo limiano (e já estou como o "jovem" do reclame televisivo a perguntar: "onde é que está a fábrica?") para se perceber que abandonou de todo qualquer critério de bem público na elaboração de planos e orçamentos. Resta saber até que ponto as opções políticas dos partidos vão também soçobrar diante do populismo mais completo, que é hoje o populismo mediático. As escolhas que se fizerem têm que ter em conta também este princípio de bom governo, ou seja, não basta escolher-se para ganhar, é preciso escolher para governar bem, sob pena de continuarmos a impregnar o nosso sistema político de locais de irracionalidade, de incompetência, de imprevisão que podem vir a ser, como foram, criminosos.

1 Comments:

Blogger PedromcdPereira said...

Uma cruel e realista visão da política em Portugal. Toda a gente compreende e reconhece as situações de clientelismo e favorecimentos em qualquer terra portuguesa. A maioria das pessoas já se conformou. O que fazer para evitar a ascenção de radicalismos(de esquerda e direita) no seio de grupos que percebem, compreendem, assimilam mas não acomodam? Sejamos realistas: por muitos políticos decentes que haja, é impossível o poder voltar a ser exercido como deve ser.
www.zangalamanga.blogspot.com

3:50 da manhã  

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