POPULISMO E REFORMISMO (Junho 2000)
Tornou se hábito em Portugal definir um campo político como a "direita”, ou as "forças não socialistas” para designar o PSD e o PP e apresentar a sua aliança como um processo natural e inevitável, como consequência de interesses comuns que sobrelevam as diferenças. A designação é, do meu ponto de vista, enganadora, programática e politicamente perigosa para o PSD, porque insinua identidades onde elas não existem e oblitera diferenças que são essenciais.
O actual PP não é nada difícil de caracterizar politicamente: é um partido populista, assente numa liderança pessoal demagógica, e estrategicamente aliado com o PS. O seu populismo comunica com a direita radical e a extrema direita, muitas declarações de Paulo Portas que obedecem a uma lógica clara de extrema direita são sistematicamente ignoradas por uma comunicação social que se excita com frases bem mais pacíficas de Haider , e a sua estratégia política consiste no ataque ao PSD como inimigo principal e no serviço ao PS. Mesmo depois das "conversações” supostamente existentes com o PSD, o PP mostrou o à evidência saindo para a rua com Basílio Horta e aproveitando os santos populares para avançar com a sua candidatura à Câmara de Lisboa, actos políticos que, no seu timing, só têm um sentido: atacar o PSD e não os socialistas.
É para mim muito claro que o PSD não se pode afirmar na vida política sem se demarcar claramente deste aliado do PS, e sem afirmar o seu reformismo contra o populismo de direita. Qualquer cedência política e ideológica ao populismo põe em causa o programa reformista do PSD. Deixemos de parte a questão das alianças locais a nível autárquico que obedecem a uma lógica diferente. Da mesma maneira que o PSD não deve abandonar um diálogo com o eleitorado do PP, também deve incentivar os entendimentos locais, sem prejuízo para a estratégica nacional do PSD. Mas não é isso que se discute quando se fala da "AD”.
O PSD tem hoje e sempre um dilema muito simples: ou é reformista ou não é. Precisemos ambas as opções. Comecemos pelo "não é”. "Não é” não significa não existir, significa não ter papel autónomo, estar subordinado a estratégias e lógicas alheias. Isto quer dizer que, várias vezes, o PSD existindo, "não foi”.
Há na história do PSD duas formas dominantes de existir, "não sendo”. Uma é a subordinação ao PS no "bloco central” quer no governo, quer no terreno pastoso dos interesses partilhados: toma lá este gestor, aprova esta gestão. Infelizmente a forte cultura clientelar que existe na vida política torna este "bloco central” poderoso e um dado permanente da nossa vida pública. Uma das razões do "ódio” ao "cavaquismo”, como antes ao "sá carneirismo”, veio da tentativa de ruptura deste "bloco” e dos interesses que ele representa. Porém, a história e a tradição política interna no partido dificultam a tradução desta aliança de interesses num governo de "bloco central”. Esta é um dos raros componentes relativamente consolidado de tradição reformista no PSD.
A outra forma, bem mais perigosa e actual de existir "não sendo”, é a permanente tentativa de reduzir o PSD a um partido de direita ou a um pilar de uma frente de direita. Esta tentativa existe desde a fundação do partido e quem melhor a combateu no plano político e ideológico foi Sá Carneiro. Num partido cheio de "sá carneiristas” de bater no peito, este é um aspecto da acção de Sá Carneiro tão clara e unívoca como o seu combate ao "prec”.
Desde os primeiros dias do partido até ao dia em que escrevo, houve uma contínua tentativa de mudar o carácter do PSD, ou tomando o ideologicamente, ou jogando com alas ou "barões”, ou propondo a sua divisão criando um "partido liberal” que depois se aliasse à direita. No dia em que se puder fazer com distanciação a história do PSD perceber se á a continuidade dessa orientação, vinda de dentro e de fora, quase sempre com as mesmas pessoas e as mesmas propostas.
Já insisti suficientemente noutros textos sobre o facto do PSD só ter tido um papel na vida política portuguesa quando se afastou do "bloco central” ou do frentismo de direita e isso inclui a original AD que não era uma aliança da direita "contra” a esquerda, mas sim, sob a hegemonia estratégica do PSD, uma frente reformista e de mudança contra os bloqueamentos constitucionais e políticos vindos de 1975 e mantidos pelos "complexos de esquerda” e pelo imobilismo do PS.
Acresce que aquilo que passa por ser hoje uma "AD” uma aliança táctica ambígua e confusa com um partido populista em nome da frente "anti socialista” é para as lideranças do PSD sempre uma tentação de facilidade. A "AD” póstuma de 1999 cuja memória real agora interessa esquecer era uma aliança entre lideranças competitivas, a que nunca correspondeu qualquer movimento de bases, qualquer empatia, qualquer entusiasmo. O seu objectivo prático era a desresponsabilização das direcções partidárias frente a resultados eleitorais problemáticos. O seu resultado foi profundamente desmobilizador do PSD como revela um dado hoje também esquecido: a soma dos dois partidos estava em todas as sondagens abaixo da do PSD nos seus piores momentos. Era uma solução completamente artificial, que nascera da ideia que a mera soma dos votos criaria um elan político. Mas a verdade é que este tipo de alianças não soma, subtrai e subtrai ao PSD. Daria ao PS o eleitorado central que lhe permite maiorias.
O que há de perigoso nestas soluções para o PSD é, como disse, que elas são soluções de facilidade. Escondem a única política que verdadeiramente pode permitir ao PSD as duas coisas que são precisas: ser alternativa de governo e alternativa de política. Para isso é vital a afirmação autónoma do PSD como partido reformista, propondo as mudanças difíceis que o país precisa e fazendo um enorme esforço de credibilizar se na sociedade que lhe permita maiorias de governo. É natural que opositores do reformismo afirmem que isto é impossível e queiram atirar o PSD para os braços do PP. Mas também ouvi dizer que eram absolutamente impossíveis num sistema proporcional com quatro partidos, as maiorias absolutas, e no entanto aconteceram.
É difícil? É. A principal dificuldade é que não basta propor soluções políticas correctas, é necessário credibilizar o partido, ligá-lo aos sectores mais dinâmicos da sociedade. E isso, para qualquer liderança, significa problemas internos. Faça se a justiça de referir que somente a direcção saída do Congresso de Vila da Feira iniciou uma política neste sentido com a chamada "refiliação”. Apesar das enormes resistências internas este era o único caminho, associado a reformas como as eleições directas a nível distrital. Mas também é verdade que já durante a fase final dessa mesma direcção este processo começou a ser abastardado e hoje encontra se completamente descaracterizado. Os pagamentos colectivos de quotas, o caciquismo, os sindicatos de voto, voltam na razão directa da perda de influência do partido na opinião pública. É preciso que os líderes do PSD compreendam que só rupturas claras com os vícios do partido o credibilizam junto da opinião pública, e que essa credibilização é condição sine qua non para haver alternância política.
Por tudo isto penso que é vital que o PSD mantenha a sua liberdade crítica face ao PP que é seu adversário não por ser "de direita”, mas porque age em coligação com os socialistas e objectivamente contra o PSD. O PSD tem que dizer com clareza que deseja um projecto reformista para Portugal e que esse projecto é incompatível com o populismo do PP.
1 Comments:
Bom, devo dizer que além do blog ser bastante recente está muito bem escrito!! Principalmente porque concordo mais ou menos com as ideias expostas.
Continua que vais bem :)
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