AS TRÊS FONTES E AS TRÊS PARTES DA SOCIAL-DEMOCRACIA PORTUGUESA (Novembro 1992)
Evitei até agora falar publicamente da revisão do Programa do PSD pelo facto de estar directamente envolvido na sua redacção e ser solidário com a equipa de que fazia parte. Aí fiz críticas e objecções que não tinha sentido publicitar.
Mas a circunstância de o Programa entretanto ter sido aprovado no XVI Congresso, praticamente sem oposição, liberta me para o discutir e analisar. Tenho para isso também um bom pretexto no artigo recente de João Almeida Santos no Diário de Notícias que constitui uma interessante análise do PSD e do carácter do seu programa. A sua conclusão é que o "nome" e a "coisa" não coincidem e que o PSD seria melhor caracterizado pelo qualificativo de "liberal democrático".
Penso que não, mas reconheço pertinência à questão. Essa pertinência vem em grande parte do carácter de "partido de síntese" que o PSD tem e do facto de não ter uma génese ideológica homogénea, contrariamente ao PCP ou ao PS. Na verdade, talvez o "nome" e a "coisa" não coincidam inteiramente no PSD. Mas há um "nome" que coincide plenamente com a "coisa": o de "Partido Popular Democrático", e esse também lá está.
Há três fontes e três tradições doutrinárias distintas no actual Programa, que aliás já estavam presentes no de 1974, e nenhuma pode ser excluída sem prejuízo analítico.
A primeira tradição manifesta se nos fundamentos de filosofia política presentes, em particular, no conceito de "pessoa" humana. Estão definidos no número 1 da Parte II: "a pessoa humana, a sua vida, dignidade e consciência, são um valor anterior à sociedade e ao Estado, dos quais constitui fundamento". É a "pessoa humana" que é "primado" da acção política. Esta é a tradição do humanismo cristão, expressa com clareza na cultura ocidental desde a Idade Média.
Deste ponto de vista, o conceito de "pessoa" é idêntico ao de partidos que, como o CDS, se reivindicavam do personalismo cristão, e diferente quer da tradição liberal onde o indivíduo se sobrepõe à comunidade, quer da tradição laica e republicana do PS que reduz a "pessoa" ao "cidadão", como da própria tradição social-democrata (e de toda a tradição socialista) de fundar a identidade do humano na situação na produção, na qualidade de "trabalhador". Desta postura decorrem no Programa a valorização da "família" e um entendimento organicista dos valores "comunitários" e nacionais.
A segunda fonte diz respeito à tradição liberal democrática ou seja aos valores da "cidadania" e dos direitos individuais e políticos que dela decorrem. Essa tradição proveio da oposição portuguesa ao regime autoritário e reforçou se na luta contra a tentativa comunista de 1974 5. A valorização dos direitos humanos é disso a consequência programática natural assim como a valorização da sociedade civil. No seu conjunto, estas questões foram actualizadas neste Programa de modo a englobar os fenómenos gerados pela própria "modernidade" (por exemplo a "solidão urbana", ou o direito à integridade do património ecológico e histórico e à sua transmissão).
A terceira diz respeito à tradição social-democrata e reformista. É esta tradição que gera mais polémicas no exterior do PSD enquanto a referência liberal as gera no interior. Mas, não há dúvidas que quer na génese, quer na prática partidária do PSD, aparece fortemente ancorada uma preocupação de justiça social redistributiva e uma ideia da intervenção do Estado como mecanismo para a garantir.
Por outro lado, a referência ao reformismo que foi aliás, como se sabe, o grande mecanismo de diferenciação da social-democracia europeia face ao marxismo e ao leninismo, ou seja, face à "revolução", decorre de uma recusa do conservadorismo social e político.
A combinação destas três fontes não tem raiz ideológica mas histórica: é a história e as circunstâncias concretas da fundação e da intervenção política do PSD que explicam esta "síntese". É isso que no PSD se costuma chamar a "social-democracia portuguesa", para mostrar as evidentes diferenças com as outras social-democracias também por isso que o actual programa revela mais do que o de 1974, a realidade política do PSD e incorpora não só as intenções originais dos seus fundadores, como o "programa não escrito" do partido, ou seja aquilo que efectivamente fez o PSD desde 1974 e que define a sua identidade política face aos portugueses. Sem essa incorporação do "não escrito", o "escrito" tinha algumas ambiguidades.
O Programa de 1974 podia, de facto, implicar direcções contraditórias de acção política. O pedido de adesão à Internacional Socialista mostra à evidência essa circunstância. São, de facto, o "sá carneirismo" e o "cavaquismo", os grandes momentos de prática política , que deram ao partido uma identidade própria e eliminaram outros sentidos possíveis da sua acção , favorecendo outras .
2.
Há, como se sabe, na tradição social-democrata uma distinção entre o "programa máximo" e o "programa mínimo", entre os fins da acção política e a prática continuamente adaptada desses objectivos finais ao quotidiano. A separação da social-democracia do marxismo fez se exactamente enfatizando o "movimento" face aos "objectivos". A não ser assim, a acção política, mesmo que se exercesse em função de "objectivos" ideais muito respeitáveis, não seria reformista. Exactamente por isto que não pode deixar de haver "tensões" internas que exprimem em termos políticos a ênfase que cada um dá à sua interpretação das diferentes tradições que constituem o que é a "social-democracia portuguesa". Essas "tensões" traduzem também os diferentes momentos da história partidária, o tipo de recrutamento que as caracteriza, assim como diferenciações de formação, prática política e "carreira", de idade e geração.
No seu conjunto, estas "tensões" são um factor de riqueza interior e mantêm uma pluralidade decisiva para a adaptação do partido à realidade e à evolução da sociedade e das mentalidades. Eliminar qualquer delas teria um resultado redutor e mudaria o carácter do PSD. A nostalgia de um partido ideologicamente puro, o que seria bem difícil para a "social democracia portuguesa" ela própria impura senão não seria "portuguesa" , não tem hoje sentido.
A polémica sobre o Programa tinha que traduzir estas diferenciações e foi bom que o tivesse feito. Aparentemente essa polémica foi dominada por um conflito entre "sociais-democratas" e "liberais". Mas esta querela sempre me pareceu artificial e um pouco poussé. A questão acabava por ser outra, ou seja o que muitas vezes se percebia é que por detrás da invocação à "social-democracia" o que existia era um apelo à manutenção de um papel determinante do Estado, entendido quer como um "Estado social", quer como um Estado intervencionista. E, se se ia mais além, muitas vezes se percebia que a preocupação "social-democrata" não passava de uma defesa de um Estado que pudesse manter um número significativo de cargos e subsídios para distribuir. O argumento justificativo era a existência de injustiças sociais, mas a conclusão era a manutenção de um Estado Padrinho. Este aspecto é perigoso num partido que está há muitos anos no poder e que, obviamente, não está imune à formação de clientelas e de grupos de interesse no seu seio. A redução do papel do Estado quer através das privatizações, quer através de alterações qualitativas da sua função, diminui a possibilidade do clientelismo partidário.
Há igualmente na interpretação do Programa uma "tensão" latente entre o modo organicista e politicamente conservador como certos valores filosófico políticos são entendidos e a pulsão liberal a favor dos direitos da cidadania enquanto direitos dos indivíduos, indissolúveis quer na sociedade, quer na comunidade: Antígona é também fundadora da cultura ocidental. Complementarmente poderia haver uma ênfase mais significativa nos valores e no mérito da sociedade civil em detrimento de uma muito repetida afirmação da necessidade do Estado ou do "interesse nacional".
Do ponto de vista político, o Programa merece algumas referências, em particular no efeito que exerce sobre a actualidade. A história do PSD não é de facto a da uma luta entre "social-democratas", e "liberais", mas entre aqueles que defendem uma prática reformista e consequentemente a desenvolvem contra o "sistema" político constitucional que foi feito para a impedir e aqueles que pensam o PSD como um partido de "consenso central", fazendo parte de um "bloco" potencial que partilha o exercício do poder político ou directamente através de uma política de alianças com o PS ou, indirectamente, por via presidencial.
Sá Carneiro, foi o primeiro a compreender que o PS deixava livre em Portugal o lugar que o PSOE ocupou em Espanha, e que o PSD o poderia ocupar como principal partido reformista pós democratização. Na continuidade dessa percepção os reformistas não podem conduzir uma política "forte" sem ao mesmo tempo defrontarem os bloqueamentos institucionais, políticos, sociais e culturais, característicos da inércia do nosso sistema político e dos seus agentes. É por isso que parecem sempre ser mais "agressivos" e menos "consensuais".
A alternativa existe: é uma política de alianças e de "consenso". No actual contexto político português qualquer política de alianças poderia permitir uma gestão mais "pacífica" e menos conflitual, mas seria sempre um impedimento às reformas. A esquerda, o PS é o grande partido do sistema e impedi-las ia e, à direita, o CDS tende a colocar se à margem agregando o voto de protesto, que não é construtivo para uma política de reformas.
Ao explicitamente assumir uma postura anti socialista, cortando com muitas ambiguidades programáticas que vinham de 1974, o Programa dificulta esta alternativa à política iniciada por Sá Carneiro e continuada por Cavaco Silva. O corte com o socialismo não impede, mas dificulta o "bloco central". Reforça portanto a ideia de que para manter a capacidade reformista do PSD este necessita de uma maioria de governo e de permanecer o partido dominante do espectro político português. Até que tudo mude.
Mas a circunstância de o Programa entretanto ter sido aprovado no XVI Congresso, praticamente sem oposição, liberta me para o discutir e analisar. Tenho para isso também um bom pretexto no artigo recente de João Almeida Santos no Diário de Notícias que constitui uma interessante análise do PSD e do carácter do seu programa. A sua conclusão é que o "nome" e a "coisa" não coincidem e que o PSD seria melhor caracterizado pelo qualificativo de "liberal democrático".
Penso que não, mas reconheço pertinência à questão. Essa pertinência vem em grande parte do carácter de "partido de síntese" que o PSD tem e do facto de não ter uma génese ideológica homogénea, contrariamente ao PCP ou ao PS. Na verdade, talvez o "nome" e a "coisa" não coincidam inteiramente no PSD. Mas há um "nome" que coincide plenamente com a "coisa": o de "Partido Popular Democrático", e esse também lá está.
Há três fontes e três tradições doutrinárias distintas no actual Programa, que aliás já estavam presentes no de 1974, e nenhuma pode ser excluída sem prejuízo analítico.
A primeira tradição manifesta se nos fundamentos de filosofia política presentes, em particular, no conceito de "pessoa" humana. Estão definidos no número 1 da Parte II: "a pessoa humana, a sua vida, dignidade e consciência, são um valor anterior à sociedade e ao Estado, dos quais constitui fundamento". É a "pessoa humana" que é "primado" da acção política. Esta é a tradição do humanismo cristão, expressa com clareza na cultura ocidental desde a Idade Média.
Deste ponto de vista, o conceito de "pessoa" é idêntico ao de partidos que, como o CDS, se reivindicavam do personalismo cristão, e diferente quer da tradição liberal onde o indivíduo se sobrepõe à comunidade, quer da tradição laica e republicana do PS que reduz a "pessoa" ao "cidadão", como da própria tradição social-democrata (e de toda a tradição socialista) de fundar a identidade do humano na situação na produção, na qualidade de "trabalhador". Desta postura decorrem no Programa a valorização da "família" e um entendimento organicista dos valores "comunitários" e nacionais.
A segunda fonte diz respeito à tradição liberal democrática ou seja aos valores da "cidadania" e dos direitos individuais e políticos que dela decorrem. Essa tradição proveio da oposição portuguesa ao regime autoritário e reforçou se na luta contra a tentativa comunista de 1974 5. A valorização dos direitos humanos é disso a consequência programática natural assim como a valorização da sociedade civil. No seu conjunto, estas questões foram actualizadas neste Programa de modo a englobar os fenómenos gerados pela própria "modernidade" (por exemplo a "solidão urbana", ou o direito à integridade do património ecológico e histórico e à sua transmissão).
A terceira diz respeito à tradição social-democrata e reformista. É esta tradição que gera mais polémicas no exterior do PSD enquanto a referência liberal as gera no interior. Mas, não há dúvidas que quer na génese, quer na prática partidária do PSD, aparece fortemente ancorada uma preocupação de justiça social redistributiva e uma ideia da intervenção do Estado como mecanismo para a garantir.
Por outro lado, a referência ao reformismo que foi aliás, como se sabe, o grande mecanismo de diferenciação da social-democracia europeia face ao marxismo e ao leninismo, ou seja, face à "revolução", decorre de uma recusa do conservadorismo social e político.
A combinação destas três fontes não tem raiz ideológica mas histórica: é a história e as circunstâncias concretas da fundação e da intervenção política do PSD que explicam esta "síntese". É isso que no PSD se costuma chamar a "social-democracia portuguesa", para mostrar as evidentes diferenças com as outras social-democracias também por isso que o actual programa revela mais do que o de 1974, a realidade política do PSD e incorpora não só as intenções originais dos seus fundadores, como o "programa não escrito" do partido, ou seja aquilo que efectivamente fez o PSD desde 1974 e que define a sua identidade política face aos portugueses. Sem essa incorporação do "não escrito", o "escrito" tinha algumas ambiguidades.
O Programa de 1974 podia, de facto, implicar direcções contraditórias de acção política. O pedido de adesão à Internacional Socialista mostra à evidência essa circunstância. São, de facto, o "sá carneirismo" e o "cavaquismo", os grandes momentos de prática política , que deram ao partido uma identidade própria e eliminaram outros sentidos possíveis da sua acção , favorecendo outras .
2.
Há, como se sabe, na tradição social-democrata uma distinção entre o "programa máximo" e o "programa mínimo", entre os fins da acção política e a prática continuamente adaptada desses objectivos finais ao quotidiano. A separação da social-democracia do marxismo fez se exactamente enfatizando o "movimento" face aos "objectivos". A não ser assim, a acção política, mesmo que se exercesse em função de "objectivos" ideais muito respeitáveis, não seria reformista. Exactamente por isto que não pode deixar de haver "tensões" internas que exprimem em termos políticos a ênfase que cada um dá à sua interpretação das diferentes tradições que constituem o que é a "social-democracia portuguesa". Essas "tensões" traduzem também os diferentes momentos da história partidária, o tipo de recrutamento que as caracteriza, assim como diferenciações de formação, prática política e "carreira", de idade e geração.
No seu conjunto, estas "tensões" são um factor de riqueza interior e mantêm uma pluralidade decisiva para a adaptação do partido à realidade e à evolução da sociedade e das mentalidades. Eliminar qualquer delas teria um resultado redutor e mudaria o carácter do PSD. A nostalgia de um partido ideologicamente puro, o que seria bem difícil para a "social democracia portuguesa" ela própria impura senão não seria "portuguesa" , não tem hoje sentido.
A polémica sobre o Programa tinha que traduzir estas diferenciações e foi bom que o tivesse feito. Aparentemente essa polémica foi dominada por um conflito entre "sociais-democratas" e "liberais". Mas esta querela sempre me pareceu artificial e um pouco poussé. A questão acabava por ser outra, ou seja o que muitas vezes se percebia é que por detrás da invocação à "social-democracia" o que existia era um apelo à manutenção de um papel determinante do Estado, entendido quer como um "Estado social", quer como um Estado intervencionista. E, se se ia mais além, muitas vezes se percebia que a preocupação "social-democrata" não passava de uma defesa de um Estado que pudesse manter um número significativo de cargos e subsídios para distribuir. O argumento justificativo era a existência de injustiças sociais, mas a conclusão era a manutenção de um Estado Padrinho. Este aspecto é perigoso num partido que está há muitos anos no poder e que, obviamente, não está imune à formação de clientelas e de grupos de interesse no seu seio. A redução do papel do Estado quer através das privatizações, quer através de alterações qualitativas da sua função, diminui a possibilidade do clientelismo partidário.
Há igualmente na interpretação do Programa uma "tensão" latente entre o modo organicista e politicamente conservador como certos valores filosófico políticos são entendidos e a pulsão liberal a favor dos direitos da cidadania enquanto direitos dos indivíduos, indissolúveis quer na sociedade, quer na comunidade: Antígona é também fundadora da cultura ocidental. Complementarmente poderia haver uma ênfase mais significativa nos valores e no mérito da sociedade civil em detrimento de uma muito repetida afirmação da necessidade do Estado ou do "interesse nacional".
Do ponto de vista político, o Programa merece algumas referências, em particular no efeito que exerce sobre a actualidade. A história do PSD não é de facto a da uma luta entre "social-democratas", e "liberais", mas entre aqueles que defendem uma prática reformista e consequentemente a desenvolvem contra o "sistema" político constitucional que foi feito para a impedir e aqueles que pensam o PSD como um partido de "consenso central", fazendo parte de um "bloco" potencial que partilha o exercício do poder político ou directamente através de uma política de alianças com o PS ou, indirectamente, por via presidencial.
Sá Carneiro, foi o primeiro a compreender que o PS deixava livre em Portugal o lugar que o PSOE ocupou em Espanha, e que o PSD o poderia ocupar como principal partido reformista pós democratização. Na continuidade dessa percepção os reformistas não podem conduzir uma política "forte" sem ao mesmo tempo defrontarem os bloqueamentos institucionais, políticos, sociais e culturais, característicos da inércia do nosso sistema político e dos seus agentes. É por isso que parecem sempre ser mais "agressivos" e menos "consensuais".
A alternativa existe: é uma política de alianças e de "consenso". No actual contexto político português qualquer política de alianças poderia permitir uma gestão mais "pacífica" e menos conflitual, mas seria sempre um impedimento às reformas. A esquerda, o PS é o grande partido do sistema e impedi-las ia e, à direita, o CDS tende a colocar se à margem agregando o voto de protesto, que não é construtivo para uma política de reformas.
Ao explicitamente assumir uma postura anti socialista, cortando com muitas ambiguidades programáticas que vinham de 1974, o Programa dificulta esta alternativa à política iniciada por Sá Carneiro e continuada por Cavaco Silva. O corte com o socialismo não impede, mas dificulta o "bloco central". Reforça portanto a ideia de que para manter a capacidade reformista do PSD este necessita de uma maioria de governo e de permanecer o partido dominante do espectro político português. Até que tudo mude.
5 Comments:
Há dias vi as siglas PSL, e pensei: Partido Social do Lopes.
Será que o D, de democracia, de oposição livre, de debate, da contínua exigência que tanto me seduziram no PSD caiu finalmente, para se tornar, também ele, um partido do sistema?
Já copiei o artigo para o ler com atenção. Depois comentarei, com muito gosto. Há muito que sinto que o PSD está navegando sem rumo certo. Uma social-democracia mal compreendida e ostensivamente abandonada está encarnando num liberalismo estéril, acéfalo e socialmente desastroso. É urgente uma recentralização programática no PSD que re-identifique o Partido com os seus fundamentos doutrinais e com a sua base de apoio primitiva. Haja quem tome a iniciativa de procurar uma alternativa às actuais orientações políticas erráticas e descaracterizadoras de um PSD perigosamente mutante. De contrário, breve se comprovará a sua inutilidade social, tornando-se mero joguete de grupos de pressão que exercem um verdadeiro poder oculto que desvirtua todo o sistema democrático.
Eu apostava ainda num 3º blog. Há matéria suficiente.
A Regeneração Necessária
Agora que li com atenção o artigo, posso dizer que o achei original na caracterização que o autor faz da Social-Democracia portuguesa, no caso vertente, do PSD.
Como base para uma compreensão do devir histórico do Partido tem interesse ; no resto, porém, nota-se o peso dos seus doze anos.
De então para cá, muita coisa aconteceu na vida política do país e o PSD foi, entretanto, acentuando o seu pendor liberal, em prejuízo da vertente social-democrática, de tal forma que esta, hoje, praticamente não tem expressão.
No mundo laboral, por exemplo, não se conhece, há vários anos a fio, nenhuma intervenção minimamente relevante do PSD, embora este ainda conserve uma sua estrutura específica para esse fim, que são os supostos TSD, coisa inexistente ou de total inoperância, verdadeiro cadáver adiado, que já nem procria.
Apenas para orientação enunciarei algumas preliminares e óbvias considerações :
· Pode um Partido que ostenta a designação social-democrática ignorar de modo tão ostensivo a vertente laboral ?
· Que sector social julga o PSD que mais apoio lhe dará no futuro ?
· Falará o PSD apenas para Empresários e altos Gestores ?
· Deixará o PSD eternamente ao PS e à restante esquerda e extrema-esquerda a representação de um vasto sector laboral constituído pelos trabalhadores por conta de outrem que sustentam, quase na totalidade, a receita do IRS ?
Confio que haja quem responda.
Outro problema, muito grave no PSD, como de resto nos outros partidos, tem que ver com os quadros políticos, intermédios e mesmo de topo, que surgiram após a fase dos Governos de Cavaco Silva. Como é de lembrar, mesmo os do seu último período de governação já deixavam muito a desejar.
Predominavam, já então, os quadros com formação dita de Gestão, de fraca preparação política, que, aliás, grandemente desprezavam, com desfastio, contando até, infelizmente nesse campo, com alguma complacência do próprio Prof. Cavaco Silva. Haviam-se esquecido de que, para poder administrar o país e aplicar reformas económicas e sociais, quando fossem capazes de as conceber, era mister entrar-se na luta política e sair-se dela vencedor, sem o que se perderia por completo essa mesma possibilidade de intervenção, logicamente aproveitada por outros, para executarem as suas políticas, contra as quais o PSD se queria e deveria bater.
A tão lamentada crise geral de vocações políticas, em particular no PSD, nos quadros entretanto emergentes, tem que ver com vários factores, alguns dos quais se tornaram consensualmente evidentes : crise de valores da sociedade actual, impunidade generalizada da incompetência ou malversação provadas, baixo nível de exigência do Sistema de Ensino – Público e Privado –, que prepara mal os jovens e nos custa avultado dinheiro, exaurindo os parcos recursos do país.
A estes factores acrescem os efeitos resultantes da deserção das figuras mais proeminentes do Partido, demasiado acomodadas, em geral colocadas em cargos opiparamente remunerados, sem qualquer enquadramento com o nível de desenvolvimento do país e do poder aquisitivo da sua classe média.
Com a saída deste pessoal político, para prebendadas funções, supostamente despolitizadas, o edifício político abriu inevitavelmente brechas profundas.
Assinale-se, todavia, que as tão propaladas competências de gestão da maioria destas figuras retirantes só vieram a ser socialmente sancionadas após as suas passagens pelos Gabinetes Ministeriais, não se lhes conhecendo anteriormente provas dessas excelsas virtudes, que depois se tornou hábito atribuir-se-lhes, salvo evidentemente alguns casos de excepção que sempre se verificam.
Por aquelas grossas brechas do edifício político, do PSD como dos outros principais partidos, entrou apressadamente uma enxúndia de oportunistas ávidos de protagonismo e notoriedade, na esperança de que, por essa via, lhes fosse aberto caminho às almejadas sinecuras sobrantes, facto que, em maior ou menor escala, veio efectivamente a ocorrer.
Assistimos, assim, a surpreendentes casos de êxito político, de pessoas que nunca tiveram uma actividade profissional fora do ambiente político-partidário em que cresceram, muitas delas esgotando a sua airada carreira antes de completarem os escassos 30 anos. Aquilo que deveria ser absoluta excepção, sempre admissível para premiar casos de invulgar talento revelado, acabou por tornar-se frequente e encarado como facto normal.
Desta prolífica sucessão de normalidades, o panorama está agora patente aos nossos estupefactos olhos. Perante ele, o que se nos oferece fazer ?
Cabe, em primeiro lugar, aos que detêm o culto da dignidade, consciência do valor próprio, inventividade, lucidez política, influência e prestígio, na esfera intelectual, política e social, a iniciativa da busca de um caminho de regeneração, antes de se recolherem ao seu edulcorado Vale de Lobos a cultivarem o seu filosófico jardim.
Se esses cidadãos, por qualquer cómoda razão ou conveniente pretexto, relutarem em assumir a sua responsabilidade cívica não devem depois carpir-se do rumo nocivo do nosso comum caminho como comunidade histórica, cujo futuro – desgraçadamente – tanta acumulação de incompetência e venalidade tem vindo perigosamente a comprometer.
Lisboa, 16 de Julho de 2004
António Viriato
Nota : Com ligeiras alterações, este texto será também publicado no blogue :
http://alma_lusiada.blogspot.com
Os comentários anteriores são algo interessantes, ideologicamente, mas creio que estão desfasados da realidade.
Na verdade, o PSD, aliás como o PS, são hoje em dia constituídos por uma maioria de clientes dos subsídios e tachos do Estado (sobretudo empresas públicas e autarquias), e por alguns poucos ideólogos respectivamente de direita (PSD) e esquerda (PS). Estes só lá estão para dar coloração, porque o que de facto caracteriza ambos os partidos, que nisto apenas diferem ligeiramente no estilo, é a imensa massa clientelar.
Trata-se, no fundo, de uma herança que remonta ao tempo em que o rei era dono do que vinha no porão das naus da Índia, e se alguém queria alguma coisa tinha de o merecer da corte. Como Camões...
Herança que foi, naturalmente, reforçada pelo estatismo "corporativista" de Salazar, e depois pelo estatismo "socilista" de Cunhal, que ainda hoje impregnam o tutano da nossa mentalidade.
Liberalismos reformistas como o de JPP são, no nosso país, estrangeirismos com raro eco.
Ai de nós!!!
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