CARTA A UM AMIGO DA UDP SOBRE A MUDANÇA (Outubro 1994)
Meu caro Alberto Matos:
Recebi a tua "carta aberta" reproduzida parcialmente no Público e, presumo, que numa versão mais completa no Diário do Alentejo. Recebi-a com muito gosto por ter finalmente notícias tuas, após os dias de 1975 em que nos vimos pela última vez. (Não te falei na Assembleia, como referes na carta, apenas porque não te vi, ou não te reconheci - o tempo prega-nos estas partidas). Reconheci-te de novo apenas quando começou a questão da "Ponte", em que apareceste desde início como "utente" e eu sabia que não eras um vulgar "utente". Sabia que continuavas na UDP de que eras dirigente e autarca - o que aliás não tem mal nenhum.
Mudámos. Eu e tu. Mas como sabes, diferentemente de tantos nossos companheiros desses anos de trevas, eu nunca esqueci nem ocultei esse passado, nunca o menorizei, nunca o considerei um vago "erro de juventude" que se devia "renegar" como dizíamos. Bem pelo contrário, cometi o pecado "politicamente incorrecto" para quem está no PSD, de dizer que aprendi muito nestes anos, e de os lembrar. Mais: de dizer que nessa experiência geracional de combate me reconheço ainda hoje sem complexos porque ela nasceu de uma revolta contra iniquidade e a injustiça.
Pago algum preço por isso, e paga também o PSD, como seja ter que aturar o Dr. Monteiro a acusar a direcção do Grupo Parlamentar do PSD de ser dirigido por "comunistas" e "maoistas", como se fossemos criminosos. Mas como o Dr. Monteiro não sabe o que é um "maoista", tem que se lhe dar desconto.
É verdade que não atribuo muito valor à explicitude daquilo que dizíamos e aqui mudei. Não era o envelope maoista (ou trotsquista, ou socialista radical, et., etc.) que era importante. A arte de nomear - os vivas e os morras que citas de "Rui" Eu Próprio - O Outro -, eram o menos importante e o mais perecível. Duravam aliás pouquíssimo tempo e tiveram poucas consequências (estou aliás a pensar quando tiver tempo em fazer uma bibliografia desses textos para que não haja periodicamente notícias dos jornais a "revelá-los" como se fossem surpresas para alguém).
Admito que se diga que há aqui alguma auto-justificação a posteriori. Talvez, a vontade de estarmos de bem connosco próprios nos engane muitas vezes. Mas penso sinceramente que o que era importante era a revolta contra as coisas injustas e não a "língua de madeira" que usávamos para as nomear. Tanto é assim que penso que a revolta subsiste, enquanto a linguagem se perdeu na primeira reviravolta dos anos. E, não tenhas dúvida, que a revolta subsiste: nada do que então me era diferente me é hoje indiferente.
É verdade que mudámos - tu achas que eu mudei muito mais do que tu, que continuas na UDP. Mas se te colocares na posição de partida que nos era comum, verás que também tu mudaste. Deixaste quase tudo que era a identidade do marxismo-leninismo: o partido, a ideia de revolução, a luta de classes, a China, a Albânia, o comunismo. Ficaste quase só com a mais vaga (e talvez mais poderosa) ideia de que estás na "esquerda" e eu na "direita".
Mas, quando hoje se olham os protestos retóricos do Major Tomé na Assembleia ou os pacíficos e bem comportados artigos do Carlos Marques, no Jornal de Notícias, pode lá haver algo de mais reformista? Que dirias em 1973 de um artigo de qualquer Carlos Marques que aparecesse na imprensa francesa, por exemplo? Mas do que revisionista, certamente de "direita"...
Mas mais importante do que isso: vejo-te hoje ao lado e aliado ao PCP. O PCP? Foi contra o PCP que nos fizemos ideológica e politicamente, e a nossa geração se fez. Aqui de facto mudaste muito. Acontece.
Aparece sempre. Um abraço do
José Pacheco Pereira
Recebi a tua "carta aberta" reproduzida parcialmente no Público e, presumo, que numa versão mais completa no Diário do Alentejo. Recebi-a com muito gosto por ter finalmente notícias tuas, após os dias de 1975 em que nos vimos pela última vez. (Não te falei na Assembleia, como referes na carta, apenas porque não te vi, ou não te reconheci - o tempo prega-nos estas partidas). Reconheci-te de novo apenas quando começou a questão da "Ponte", em que apareceste desde início como "utente" e eu sabia que não eras um vulgar "utente". Sabia que continuavas na UDP de que eras dirigente e autarca - o que aliás não tem mal nenhum.
Mudámos. Eu e tu. Mas como sabes, diferentemente de tantos nossos companheiros desses anos de trevas, eu nunca esqueci nem ocultei esse passado, nunca o menorizei, nunca o considerei um vago "erro de juventude" que se devia "renegar" como dizíamos. Bem pelo contrário, cometi o pecado "politicamente incorrecto" para quem está no PSD, de dizer que aprendi muito nestes anos, e de os lembrar. Mais: de dizer que nessa experiência geracional de combate me reconheço ainda hoje sem complexos porque ela nasceu de uma revolta contra iniquidade e a injustiça.
Pago algum preço por isso, e paga também o PSD, como seja ter que aturar o Dr. Monteiro a acusar a direcção do Grupo Parlamentar do PSD de ser dirigido por "comunistas" e "maoistas", como se fossemos criminosos. Mas como o Dr. Monteiro não sabe o que é um "maoista", tem que se lhe dar desconto.
É verdade que não atribuo muito valor à explicitude daquilo que dizíamos e aqui mudei. Não era o envelope maoista (ou trotsquista, ou socialista radical, et., etc.) que era importante. A arte de nomear - os vivas e os morras que citas de "Rui" Eu Próprio - O Outro -, eram o menos importante e o mais perecível. Duravam aliás pouquíssimo tempo e tiveram poucas consequências (estou aliás a pensar quando tiver tempo em fazer uma bibliografia desses textos para que não haja periodicamente notícias dos jornais a "revelá-los" como se fossem surpresas para alguém).
Admito que se diga que há aqui alguma auto-justificação a posteriori. Talvez, a vontade de estarmos de bem connosco próprios nos engane muitas vezes. Mas penso sinceramente que o que era importante era a revolta contra as coisas injustas e não a "língua de madeira" que usávamos para as nomear. Tanto é assim que penso que a revolta subsiste, enquanto a linguagem se perdeu na primeira reviravolta dos anos. E, não tenhas dúvida, que a revolta subsiste: nada do que então me era diferente me é hoje indiferente.
É verdade que mudámos - tu achas que eu mudei muito mais do que tu, que continuas na UDP. Mas se te colocares na posição de partida que nos era comum, verás que também tu mudaste. Deixaste quase tudo que era a identidade do marxismo-leninismo: o partido, a ideia de revolução, a luta de classes, a China, a Albânia, o comunismo. Ficaste quase só com a mais vaga (e talvez mais poderosa) ideia de que estás na "esquerda" e eu na "direita".
Mas, quando hoje se olham os protestos retóricos do Major Tomé na Assembleia ou os pacíficos e bem comportados artigos do Carlos Marques, no Jornal de Notícias, pode lá haver algo de mais reformista? Que dirias em 1973 de um artigo de qualquer Carlos Marques que aparecesse na imprensa francesa, por exemplo? Mas do que revisionista, certamente de "direita"...
Mas mais importante do que isso: vejo-te hoje ao lado e aliado ao PCP. O PCP? Foi contra o PCP que nos fizemos ideológica e politicamente, e a nossa geração se fez. Aqui de facto mudaste muito. Acontece.
Aparece sempre. Um abraço do
José Pacheco Pereira
3 Comments:
Acamaradei com o Alberto Matos desde 1970, e foi ele quem me ensinou o que era a Revolução Cultural chinesa. Foi também ele quem me demarcou da sua facção estudantil quando me aproximei, ainda sem o saber, da facção do "oportunista Tiago", e foi ele quem encontrei um dia no elevador da casa de Maria de Lurdes Pintassilgo (em cujo prédio por acaso eu estava então empregado), e me perguntou, dando-me uma forte palmada no ombro: "como é que ainda estás vivo?"
Ao Pacheco Pereira só conheci nesses tempos negros pelo seu primeiro livro, que li em conjunto com os meus camaradas operários de Comité, em 1973...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Esqueci-me de situar no tempo o encontro com Alberto Matos no elevador do prédio de Pintassilgo: quiçá 1978, pouco antes dela ser 1º Ministro...
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