29.8.04

A LAGARTIXA E O JACARÉ 1 (Agosto 2004)

Quem nasceu para lagartixa nunca chega a jacaré” (Provérbio)


1- OS GENES EGOÍSTAS

Sou devedor à festa da Vila da Marmeleira de uma reciclagem anual de músicas que soem ser chamadas de “pimba”. Durante meia dúzia de dias, incluindo estes em que agora escrevo, os altifalantes actualizam-me os saberes musicais e todos os anos aprendo variadíssimas lições sobre a vida. Nelas se inclui uma canção sobre o Viagra, “Viagra é para levantar o derrubado”, outra sobre um senhor que chega a casa, toma um café, corrijo, “um cafezinho”, ouve “música ambiente” (o que é que será? Desprende-se das paredes? É o barulho da rua? A televisão?) e só gosta de jantar depois da uma: “o jantar sou eu que faço, a cozinha ela arruma”. Não percebi esta fatia do quotidiano. Há também um senhor que “gosta de mamar nos peitos da cabritinha”, e uma história sobre um “macho chifrudo”. Tudo bem, Gil Vicente está vivo e recomenda-se.
Há vários anos que um ou outro refrão, qual gene egoísta, não sai da minha cabeça com vontade de se reproduzir, ou seja que eu fale dele, para transportar muitas outras cópias do mesmo gene egoísta para as cabeças alheias. É o caso de uma canção que berrava alegremente “quem nasceu para lagartixa nunca chega a jacaré”, provérbio que me parecia e parece de infinita sabedoria.
Como estamos em tempo de coisas populares, em vez de chamar a estes textos uma qualquer palavra em grego ou latim, ou uma frase profunda daquelas que dão magníficos títulos, quedo-me pelos bichinhos rastejantes. Fica pois estabelecido que o meu objectivo é lutar para manter a saudável diferença entre as lagartixas e os jacarés, o que é (se é!), bem preciso nos dias que correm.


2- TODO O DIA AO TELEFONE COM OS JORNALISTAS

De toda a gente envolvida, só uma parte pode verdadeiramente ferir, quando não matar, o processo da Casa Pia: a Procuradoria. E ferir já o fez. Porque, meus amigos, não somos todos burros. Aquela conversa da assessora veio do sítio onde nenhuma palavra sobre processos deveria vir, onde a última coisa que eu espero que exista é uma “estratégia de comunicação”. Mostra um grau de habitualidade das conversas e uma contínua “negociação” com as fontes. Mostra que não foi a primeira, nem terá sido a última. Conhece-se o resultado num jornal, como terá sido nos outros? Não é a função da assessora, como disse o Procurador, “passar o dia inteiro a falar ao telefone com os jornalistas”. A falar de quê, numa casa de segredo, discrição e reserva? Será que o assesssor(a) de imprensa do SIS também passa o dia “a falar ao telefone com os jornalistas”? Sei lá, tudo é possível.


3 – O MELHOR ARTIGO DA SEMANA - FÁTIMA BONIFÁCIO “Mais Dinheiro para a Educação?” ( Público, 15 de Agosto 200)

O artigo de Fátima Bonifácio sobre a ignorância colectiva cada vez mais catastrófica, dos estudantes, é uma chamada de atenção que irrita muita gente. Irrita país, famílias e estudantes porque remete para critérios que eles há muito abandonaram, e para valores que não têm força nas sociedades mediáticas. Os seus críticos dizem que este tipo de afirmações são recorrentes e em nada contribuem para resolver o problema. À esquerda, suspeita-se que elas são um manifesto contra a democratização do ensino pós -25 de Abril e os interesses dos professores. Discordo. Saúdo o mérito do artigo porque chama a atenção para um problema que em vez de melhorar, piora. E piora por razões ideológicas e políticas.

4 - TRAIDORA TRADUÇÃO – CARNIFICINA, CULTURA E HISTÓRIA

Porque é que o Ocidente ganhou, pelo menos para já? Uma parte decisiva da explicação está em que combate melhor. No campo de batalha, quando se opuseram não apenas dois exércitos, mas dois mundos culturais e civilizacionais, o espírito de iniciativa, a liberdade, a defesa da “terra”,associada à tendência para o confronto directo, frontal, violento, para a “guerra total”, para a destruição impiedosa do inimigo, faz a diferença. O livro de Victor Davis Hanson, Why the West Has Won, pretende explicar as vantagens da conduta dos soldados, oficiais e generais ocidentais no terreno da batalha, em relação aos seus congéneres não “ocidentais”. E o livro tem o enorme mérito de o explicar a partir de análises de afrontamentos tão diversos como Gaugamela, Lepanto, a guerra contra os zulus, ou o combate aero-naval de Midway. Claro que há algumas generalizações e alguns paralelos evitados, porque confundiriam a tese (as forças armadas soviéticas e nazis na II Guerra mundial, ou a guerra civil americana), mas é um muito interessante e actual ensaio histórico, a traduzir absolutamente.

1 Comments:

Blogger AV said...

Fui aluno da FBonifácio e, apesar de ter sido por ela bem classificado, estou longe de achar que as suas aulas, pelo menos nos idos de 80, fossem um particular contributo para a eliminação da ignorância dos estudantes.
Pelo contrário, eram exemplos gritantes da exposição de uma sebenta pouco imaginativa e tendente apenas; à época, à reprodução de um ideário neo-marxista que avançava muito pouco além do óbvio.
FB poderia não gostar da disciplina que então leccionava (Hist, Económica e Social) mas isso não era razão para o aparente desinteresse com que nos mimoseava e para o sarcasmo que reservava para todos os que da sua cartilha discordavam.
Eu sei que as opiniões evoluem mas é difícil descolarmos da mente a memória do que foi FB como docente em contraponto à analista que agora (ocasionalmente) é ou pretende ser.

4:57 da tarde  

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