Miguel Veiga - INTERVENÇÃO NO CONSELHO NACIONAL DO PSD EM 11 DE JULHO DE 2004
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( MIGUEL VEIGA )
A decisão dilemática e muitíssimo problemática do Presidente da República (pretendo e julgo saber que só tomada na própria manhã que precedeu o Conselho de Estado já que, na noite anterior, o Presidente da República estaria inclinado, fortemente inclinado, para a dissolução) pôs termo, finalmente, felizmente, à primeira e maior das minhas, das nossas, preocupações, inquietações e quase angústias político-partidárias e, sobre elas, nacionais: a de conjurar os riscos e perigos de umas eleições antecipadas. Nesse sentido, intervim publicamente e levantei a minha voz do texto que previamente escrevi para este mesmo e anterior Conselho Nacional. Fi-lo, não porque escrever seja uma forma de falar sem ser interrompido – o que algumas vozes neste mesmo Conselho vieram provar o contrário – mas para que essa minha intervenção não pudesse ser, na sua clara intenção e no seu firme teor, vir a ser deformada e adulterada, como é do hábito de alguns nesta casa.
Assim, em resenha, repito o que escrevi e disse para aqueles que tiveram a paciência de me ouvir: “Uma coisa tenho como certa: temos a obrigação moral e política de evitar pretextos para que haja eleições antecipadas. É este o meu empenho. São estas as razões, o sentido e o propósito da minha consciência política, como PSD e como cidadão. E sei, pela sua história, que o Partido é capaz de surpreender o País.”. Nessa ordem de ideias, então propus a solução de uma terceira via, hoje já ultrapassada.
A decisão do Presidente da República, que não se lia nos astros nem se previa à luz da razão, pois eram muitas, diversas e até antagónicas as razões produzidas num e noutro sentido, arredou o risco, o perigo de eleições antecipadas e, assim sendo, sou o primeiro a congratular-me com ela.
Só que, no discurso que a motivou, o Presidente da República não deixou de repetir expressiva e significativamente – e muito – que não deixaria de avaliar permanentemente a execução rigorosa do programa governativo, nomeadamente nas áreas da Europa, da política externa, da defesa nacional, da justiça e do rigor orçamental das finanças (o que deverá ser entendido não apenas pela intersecção dessas áreas, com a excepção da da justiça, com as áreas da sua competência específica presidencial).
Só que o Presidente da República não se ficou apenas por essa intenção de vigilância permanente, ou seja, de um governo vigiado, isto é, de um estado de “inspecção permanente” o que aliás, constitucionalmente é de âmbito interpretativo muito discutível já que o Presidente da República não pode intervir na governação.
Só que nesse discurso o Presidente da República anunciou uma cominação implícita: “assumirei a plenitude dos meus poderes constitucionais”. O veto legislativo (que poderá ser ultrapassado pelo Parlamento), o recurso à inconstitucionalidade (que é pontual e vago), não são para tanto eficazes e decisórios.
Só que, e daí esta minha intervenção, permito-me chamar a atenção deste Conselho, e por que não da Comissão Política e do Presidente do Partido, o que faço não como um conselho mas como um aviso de quem não é ignorante: É que constitucionalmente o Presidente da República pode recusar nomes do futuro elenco governativo e até a nova orgânica do próximo governo.
Dizem-no todos os constitucionalistas, inclusivamente aqueles que o Presidente da República ouviu ponderada e minuciosamente antes de tomar a sua decisão.
Na decisão sobre a formação do novo elenco governativo e na sua orgânica haverá que ter em conta esse soit disant “direito de veto” do Presidente da República nessa nomeação. E melhor decide quem melhor prevê, Dr. Pedro Santana Lopes.
Permito-me este aviso, não me atrevo ao conselho, porque o entendo como relevante, que é, em ordem a conjurar os perigos e riscos de um “direito de veto” presidencial, porventura improvável mas certamente possível.
A decisão do Presidente da República, aquém ou para além das suas fundadas razões, foi uma decisão corajosa, precisamente porque foi tomada ao arrepio da sua própria família política, e do seu clã pessoalmente mais próximo, o do Dr. Ferro Rodrigues (os outros, do Dr. João Soares ao Dr. Sócrates – penso estarmos a entrar num período pré-socrático – do Dr. Lamego, a demarcar o território para um regresso de António Vitorino, ao Dr. Jaime Gama) o que se vai traduzir, a curto prazo, numa inflexão moderada do PS a que o eleitorado do centro-esquerda e do centro – que com o PS disputamos - não será insensível. Digo-o com alguma apreensão já que sendo o meu adversário o PS, a continuação na sua liderança do Dr. Ferro Rodrigues, dada a sua debilidade, era, como costumo dizer, um esteio do nosso “seguro de vida”...
Falei de decisão corajosa porque, sobretudo e acima de tudo, considero a coragem a primeira e a maior das virtudes políticas.
E, por que falo de coragem política, é esta, Pedro Santana Lopes, uma das certas qualidades políticas que nunca deixei de lhe reconhecer.
E digo-lhe (neste preciso momento) o que repito e reitero, o que letra por letra, eu lhe disse no último Conselho: “a sua personalidade – que eu estimo e a quem reconheço certas qualidades políticas, embora amiúde me desgoste e me afaste do seu estilo, amiúde e, lamentavelmente para mim, populista e até me indisponha e afaste no plano das próprias convicções políticas, sendo que as minhas são de arreigadas matrizes e desenvolvimentos sociais-democratas ao arrepio das liberais e das da democracia cristã, na fidelidade às matriciais bases programáticas com que fundámos e difundimos uma social-democracia à portuguesa, esta sim ainda com a marca indiscutível, que não foi outra a de Francisco Sá Carneiro, que ele nos deixou em vida e nos legou por morte, sem derivas para o conservadorismo, para um liberalismo puro e duro, para uma direita radical, para um regresso a uma Europa nacionalista, para uma fusão com um PP do Dr. Paulo Portas num partido dito liberal, de social liberal.
Não tenho qualquer preconceito pessoal sobre si Dr. Pedro Santana Lopes. Tenho, sim, conceitos diferentes sobre o modo de estar e fazer política, tenho, sim, conceitos diferentes em termos das próprias convicções social-democratas.
E repito o que disse no anterior Conselho: só falo estritamente de política e em termos políticos pois me recuso a outras invasões espúrias ou outras intromissões preconceituosas sobre o modo de vida de quem quer que seja. Aliás, todos os que me conhecem sabem que o puritanismo e até os falsos pudores vitorianos não são a minha chávena de chá...
Senhores Conselheiros:
O meu adversário político é o Partido Socialista, hoje em sobressaltado e dividido ... ... pousio. Nesse combate combaterei, alinhado ou desalinhado, com os meus correligionários sociais-democratas, sim, com aqueles que considero da minha família política no PSD, que também a tenho e de há muito.
As reservas e as objecções que levantei e, mantenho, quanto a Si Dr. Pedro Santana Lopes, reitero-as quanto a ele já como Presidente do Partido, já como indigitado 1º Ministro. Não serei seu adversário mas, na minha consciência política não lhe posso dar os meus vivas, nem o meu apoio nem o meu voto. Aliás nestes escassos dias que vão desde a sua eleição para Presidente do Partido neste Conselho, ele, aos meus olhos, nem perdeu os defeitos que lhe apontei nem ganhou as qualidades cuja falta eu para tanto lhe apontava.
E, tal como na anterior votação eu votei contra, nesta abster-me-ei na plenitude da minha própria consciência política. Nenhum secretismo de urna poderá encobrir ou disfarçar a minha convicção. Uma pessoa, pelo menos, entre a centena deste Conselho sei que terá de compreender a minha atitude: o próprio Dr. Pedro Santana Lopes. Quem foi, como Pedro Santana Lopes, durante tantos e tantos anos opositor e derrotado, e até trouble-maker contra tantos líderes no nosso Partido, sabê-lo-á melhor do que ninguém.
E, vou terminar, agora já regressado aos meus tiques literários, com a invocação de um grande poeta da minha preferência. Senhores Conselheiros: “O meu copo é pequeno mas eu só bebo no meu copo”. *
* Ouvem-se uma dúzia de palmas avulsas. Miguel Veiga votou e, à saída, abordado por enxame de jornalistas, uma perguntou-lhe sem tir-te nem guar-te: “Então, Dr. Miguel Veiga, gostou do que ouviu? Miguel Veiga respondeu-lhe: “Só gostei do que eu disse”.
2 Comments:
Não devemos esquecer que Pedro Santana Lopes - goste-se ou não se goste do estilo, reconheça-se-lhe ou não um ideal firme - sempre (ou quase) esteve do lado de lá, sendo considerado um desalinhado ou um "trouble-maker", como lhe chamou Miguel Veiga.
A consciência da diferença, bem como a coragem para a enunciar no local e tempo próprios não é, assim, pertença dos que agora se encontram "do outro lado".
Não se deve perder isto de vista, a bem da verdade.
É a lei do mais forte, não do mais competente. Parece um contra-senso, mas é a lógica da política do passado, do presente e será a do futuro.
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