4.10.04

A LAGARTIXA E O JACARÉ 6

A refinaria

… que eu conheci.

O que é que eu sei da refinaria de Leça? Coisas genéricas: é uma refinaria, um objectivo estratégico em caso de guerra. Deve estar guardada. É perigosa, como muitas instalações industriais. É ainda mais perigosa dado que trabalha com matérias incendiárias. Deve ter sido muito cara. Deve ser uma instalação importante para a economia do país. A esmagadora maioria dos portugueses devem saber isto quando se fala de uma refinaria. Como sou do Porto e conheço as praias de Matosinhos até ao Mindelo, sei mais algumas coisas. Sei que é bonita de se ver à noite, paisagem do Deserto Vermelho, para onde se levava as namoradas a caminho da casa do Siza ou da Praia da Memória. Que tinha uma chama eterna. Que cheirava a gasolina à volta. Que tinha fama de ser ainda mais perigosa do que as comuns refinarias, com as suas colunas onde se destilavam os aromáticos, benzeno, xileno, tolueno, voláteis, explosivos. Sei também como são magníficos os terrenos que ocupa, junto à costa bravia do Atlântico, a meia hora do centro do Porto, verdadeiro sonho de autarcas, urbanizadores e empreiteiros. Como leio os jornais e tenho um interesse pela coisa pública, sei que o abastecimento no Norte depende da refinaria de Leça. Sei que só há outra assim em Sines, pelo que Portugal não tem backup.

Tudo saberes que a gente acumula na vida, como quem não quer a coisa, sem estudo, imprecisos, pouco técnicos, impressionistas, se calhar errados num ou noutro aspecto. Mas o suficiente para saber, quando ouvi do gabinete do Primeiro-ministro que a refinaria ia ser encerrada, sugerindo que fecharia as portas amanhã (até se avisava que os trabalhadores teriam os seus interesses acautelados, o que pressupõe o encerramento definitivo), que só podia haver a mais absoluta ligeireza em tal afirmação, para além de não poder ser verdade. E não era. Está-se a falar demais e a trabalhar de menos ou mal, e o resultado é uma exibição de incompetência.


A descoberta da desigualdade fiscal


Um surto de luta de classes, raiva, má-língua, perturba a pequena comunidade rural onde vivo. Intenso, breve. Mas todos os anos se repete e deixa um rasto de mal-estar e de conflitos. Nessa pequena comunidade, nesta altura do ano, os pobres descobrem que são ricos e, ao mesmo tempo, descobrem que os “ricos” que conhecem (que são remediados, na maioria dos casos) são pobres. Todos os anos, quando se afixam nas escolas as listas classificadas dos subsídios escolares (quem recebe dinheiro para os livros, quem tem as refeições subsidiadas), os pobres percebem que estão no escalão B e estes “ricos” estão no A, porque não declaram o que ganham e não pagam impostos. Numa mega-escala, isto já se tinha visto quando das propinas indexadas às declarações fiscais, em que um país de pobres fiscais emergiu entre os pais dos estudantes universitários, que não são propriamente o fundo da escala social.

O problema de qualquer “moderação” baseada nas declarações fiscais é este: a sua escassíssima relação com a realidade. O resultado prático não é mais justiça fiscal, mas sim a reprodução e mesmo o agravamento da desigualdade.


A transparência fiscal

Estes surtos de “transparência” forçada são positivos: revoltam. É por isso que eu sou de há muito tempo partidário do carácter público das declarações de rendimentos. Os impostos são um elemento básico de uma relação de cidadania, e por isso devem ser tão transparentes como o bilhete de identidade. Terá que se alterar o modelo da declaração de IRS, de modo a proteger certos elementos pessoais que devem permanecer privados, mas o essencial, que é a declaração de rendimentos, deve ser pública.

O ministro Bagão Félix entende o mesmo e disse-o na entrevista que deu esta semana. Ainda bem, é uma proposta arrojada feita por quem é ministro das finanças. Mostra coragem. Como ministro é ministro, e supõe-se que manda, espera-se que actue em função do que pensa.


Fotografias Que Mudam O Mundo

Fotografias como esta mudam o mundo e nunca mais se esquecem. São toda uma guerra, para toda uma geração. O vietnamita executado, que parece que também tinha cometido umas violências pouco antes de ser feito prisioneiro, morreu aqui. O executor morreu de doença, há uns anos, depois de ser dono de uma pequena pizzaria no interior dos EUA. Milhares de execuções deste tipo foram feitas pelos americanos, pelos vietnamitas, e muitas mais pelo então chamado vietcong.

Claro que por detrás do gesto assassino do comandante da polícia Nguyen Ngoc Loan, estavam muitas outras coisas que não se vêem nesta fotografia e que só com a tragédia dos boat people se perceberam. Mas isso interessa pouco para a força desta imagem, para a ética desta imagem. É a guerra e a violência da guerra, nua e crua, só que desta vez diante das câmaras, o que faz toda a diferença. O seu autor, Eddie Adams, morreu esta semana e ajudou a acabar com a guerra do Vietname.