19.11.04

DISCURSO DE ACEITAÇÃO DA CANDIDATURA AO PARLAMENTO EUROPEU (Abril 1999)

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No momento em que se realizam estas eleições há, pela primeira vez desde o fim da II Guerra Mundial, uma guerra na Europa. Há sofrimento, terror, mortes, destruição de bens e recursos, violação sistemática dos direitos humanos, "limpezas étnicas", crimes de guerra. A um ano do ano 2000 esta realidade trágica, que ninguém pensava até há pouco ser possível, lança uma sombra de preocupação sobre o próximo século, e obriga-nos a olhar para a construção da Europa com nova exigência.

Atravessada no passado pela cortina de ferro e pelo muro de Berlim, a Europa corre hoje o risco de ser dividida de novo por uma outra fronteira de desespero, ódio, incompreensão, miséria, e violência, que pode vir a dar origem ao crescimento e à emergência de um novo bloco político a Leste.

Mais perigosa do que no passado, essa ferida aberta na Europa, é hoje muito mais indefinida e volátil. Não é feita de liberdades domadas pela ditadura e pelo terror, mas da perda das esperanças, do ressentimento, da humilhação. É uma combinação perigosa, muito perigosa e que nos diz directamente respeito, porque essa esperança que se perdeu e que hoje se traduz em humilhação e ressentimento, é a perda de esperança na própria Europa e nas suas instituições e na sua força. Muita coisa falhou a Leste, mas entre as coisas que falharam conta-se a capacidade política integradora das instituições europeias que olharam com demasiada complacência o que se estava a passar.

As instituições europeias foram construídas desde a II Guerra Mundial exactamente para evitar o que hoje acontece. Foram feitas para evitar em primeiro lugar uma guerra na Europa, uma Europa que, desde que existe como identidade, nunca conhecera um período de paz tão longo como o que durou de 1945 até hoje. Essa paz foi feita pela Comunidade Europeia, pela União Europeia, pela OTAN, pelas democracias construídas na guerra fria, contra o totalitarismo. Mas hoje vê-se que não foi suficiente.

Nos últimos anos, o ideal europeu foi transformado numa questão de dinheiro, de fundos, de subsídios, e esquecemo-nos desta dimensão inicial e fundadora, aquela aliás que permitiu que a Europa se fizesse.

Frente ao momento mais perigoso das últimas décadas, assiste-se a um cepticismo europeu na opinião pública de muitos países, e a um crescente egoísmo nacional que as recentes dificuldades para concluir a chamada Agenda 2000 revelam.

Tudo isto aconteceu e está a acontecer numa Europa onde os socialistas são hoje governo na maioria dos países, logo responsáveis pelo governo actual das instituições europeias. Há quem não goste de ver isto lembrado, de tornar este factor invisível. Não é o nosso caso.

A Europa tornou-se crescentemente numa ideia administrativa e burocrática, denominada por uma retórica europeísta, a que faltava vontade política, o que sobrava em palavras. Em vez de se explorar completamente o que já existia no plano institucional e político, passou a querer-se cada vez mais resolver o défice de decisão pelo experimentalismo político, utópico e insensato.

Aqui corre-se hoje o sério risco de ver esgotado e não renovado o impulso que levou a ideia europeia do pós-guerra aos nossos dias, e que garantiu à Europa este longo passado de paz e de prosperidade.

A construção da União Europeia e do "euro" representam os momentos finais desse impulso hoje aparentemente esgotado. Os Governos socialistas, que hoje são maioritários, estão associados a esse cepticismo sobre a Europa, a que devem as suas vitórias eleitorais. Por detrás da retórica das boas intenções europeias, cresceram e viveram da falta de confiança no futuro da Europa.

Por tudo isto é vital voltar à Europa dos fundadores, voltar à Europa como ideia política destinada a garantir em primeiro lugar a paz, a segurança, o bem estar, a justiça social, os direitos humanos, e a democracia.

Os políticos que construíram a Europa - na sua esmagadora maioria democratas-cristãos - sabiam que só podia ser assim. E foi assim até à última grande revolução política que foi a unificação alemã, que convém lembrar foi também obra de um político democrata-cristão com a forte oposição dos socialistas

Esta intenção inicial foi progressivamente sendo esquecida.

Por tudo isto queremos falar da Europa com uma linguagem nova, com preocupações novas e ideias novas. É a Europa do fim do século que temos de defrontar no decurso do nosso mandato europeu, que será muito diferente da que originou o Tratado de Roma ou de Maastricht.

E nesta nova Europa as diferenças vão ser mais de visões políticas do que de modelos salvíficos, vão ser mais de qualidade dos homens políticos, do que de expressões de engenharia social europeia. Vão depender mais de escolhas dos povos em cada país, do que de decisões transnacionais. (…) Os problemas agora são outros - são de visão política e não de modelos de organização.

(...)