O JACARÉ E A LAGARTIXA 14 (Dezembro 2004)
O SANTANISMO GOSTARIA DE TER SIDO UM GUTERRISMO MAS NÃO FOI
O país, que esteve cego pela falsa abundância do guterrismo, é o país idêntico ao que transporta a depressão nacional do santanismo. Um é o reverso aparente do outro, ambos são feitos da mesma massa, mas um correu bem ao princípio e fugiu no fim e o outro nunca correu bem e vai acabar mal. Está escrito nas estrelas. (Não foi preciso alterar esta frase, porque as estrelas cumpriram o seu dever.)
O guterrismo era um optimismo caro, o santanismo está a ser um pessimismo caro, mas gostava em bebé de ter sido um guterrismo. O que é que impede que o santanismo seja um guterrismo mesmo que mais pobre, mas igualmente despesista e incapaz de pensar o futuro? À primeira vista, o estilo populista do Primeiro-ministro deveria ser mais eficaz do que as simples técnicas do “Kiss” (keep it simple and stupid) do guterrismo, mas verificou-se que mesmo com tanto assessor e marketing, os resultados são escassos.
O problema está no produto. O engenheiro sabia umas coisas, tinha sido um aluno aplicado, e dominava as matérias da governação. Governava mal, mas não era por impreparação, era por socialismo e “solidariedade cristã”, era pelo pendor para o facilitismo, era porque demasiada abundância, num país como Portugal, dá sempre asneira. Mas era um homem estável e sossegado.
O actual Primeiro-ministro agita-se na razão directa da sua impreparação para o cargo que exerceu. Não tem credibilidade junto dos seus pares, nem conhecimento para discutir com eles qualquer vaga medida governamental. Quando é “espontâneo”, como lhe pedem aqueles que pensam que assim se salva melhor, o resultado é o discurso da incubadora, signé Santana Lopes como se fosse uma tatuagem a fogo.
É chefe de um grupo que precisa dele mais do que o contrário, mas, como respira fidelidades reverenciais, tende a escolher mal. Quem é que estaria disposto, entre os melhores, a ouvi-lo o dia todo a queixar-se de “eles”, a falar de “alguns”, a acusar “outros”, inuendos que não faltam em nenhuma sua frase “espontânea”?
O resultado está à vista. Esteve sempre à vista para quem era capaz de o ver.
A DEBANDADA
Um sector social importante e interessante entusiasmou-se com o guterrismo e deu uma importante caução ao santanismo nos seus dire straits iniciais: uma parte dos empresários portugueses com destaque para aqueles que precisam de um estado gastador e benevolente ao seu lado para os “proteger”.
O sinal interessante do que ia acontecer apareceu no Diário Económico, mostrando que tinha começado a debandada. Título: “Empresários criticam Santana Lopes por instabilidade política”. Abertura da notícia: Os empresários e economistas portugueses declaram-se muito preocupados com os efeitos na economia do período de instabilidade política que se abriu com a nomeação de Santana Lopes para primeiro-ministro e que, no passado fim-de-semana, conheceu um novo pico (…) Os empresários ouvidos pelo DE acusam o Governo de não ter qualquer estratégia de promoção do desenvolvimento e de só se preocupar com a gestão do dia-a-dia.”
Em breve, o eng. Sócrates estará a fazer almoços com empresários, na tradição do eng. Guterres. Foi certamente algo que pesou junto do Presidente da República, como já tinha pesado antes há quantro meses atrás.
SERÁ QUE ALGUÉM FEZ ALGUMAS VIOLÊNCIAS DIVERSAS ÀS CRIANÇAS DA CASA PIA OU NADA ACONTECEU E A PRIMEIRA VÍTIMA É O SENHOR CARLOS SILVINO A QUEM NINGUÉM DÁ O BENEFÍCIO DA DÚVIDA`?
A ouvir os comentários sobre o processo Casa Pia parece que tudo é uma invenção, a não ser no caso do senhor Carlos Silvino que sobre esse ninguém se importa. Esse foi o único que eu vi de algemas, por isso deve ser o único culpado. Eu parecia-me que tinha havido “indícios” da existência de uma rede de prostituição infantil, que usava como mão-de-obra sexual as crianças da Casa Pia. Agora, ouvindo o que se diz, parece que havia prostituição mas não havia clientes. Engraçado que os que dizem que os acusados não são culpados (e podem não sê-lo) nunca se perguntam onde estarão os culpados. Porque alguma coisa aconteceu ou não? Ou é tudo invenção?
O MELHOR CRENTE
Todas as semanas Luís Delgado escreve uma oração ao Senhor dos Aflitos para que o mundo seja aquilo que ele quer que seja: bom para o dr. Santana Lopes, para o governo da nação, e para ele, o fiel dos fiéis. Para que nada aconteça. Para que nada se passe. Para que não haja cataclismos, nem ministros “irresponsáveis”. Para que haja calma e tranquilidade. Para que não haja “agitações reais e artificiais”. Para que não haja “alarmes”. Para que haja “pensamento positivo”. Para que os “negativistas” ardam no Inferno. Para que os críticos “ressentidos” sejam internados em hospitais psiquiátricos. Para que haja respeito. Para que não haja despeito. Para que haja outra entrevista em prime-time do primeiro-ministro para que este “fale” para o povo “por cima” dos “comentadores”. Para que a “comunicação passe” (uma frase marcelista). Para que o Natal chegue depressa. Para que haja muitas prendas no sapatinho. Para que a meteorologia se comporte bem. Para que os portugueses não ouçam as vozes da desgraça. Para que Santana mantenha o seu “integral domínio” da economia (sim, ele foi capaz de escrever isto num delírio da fé). Para que Santana continue no “seu melhor”, como está sempre e cada vez mais. Para que o Azul seja Verde. Para que o Amarelo seja Vermelho. Para que o duro seja mole. Para que o quente seja frio. Para que a gravidade nos puxe para cima. Para que Nosso Senhor nos ouça.
Não ouviu.
ELOGIO DA TASCHEN
O mundo é feito de mil palavras e de mil imagens. Das mil imagens muitas se perdem todos os dias, em particular as mais humildes, os cartazes, os panfletos, as capas dos discos, os reclames, os folhetos, as gravuras das caixas de fósforos, os prospectos turísticos, as ilustrações das publicações baratas, da pulp fiction, desenhos, gravuras, litografias, aguarelas, feitas por trabalhadores anónimos.
Esta colecção “Ícones” da Taschen, como aliás outras da mesma editora, recolhe e divulga de forma barata algumas dessas imagens, sonhos e medos, diabos e aviões, mariachis e santos, deuses indianos e pedagogia do socialismo da defunta RDA, tentações de Las Vegas e imaginações da ficção cientifica, cortes de cabelo em Bombaim e bares na cidade do pecado, ícones do nosso perdido tempo. É o mundo do kitsch, mas quem é que cresce no meio dos Uffizi ou da Tate?
O SANTANISMO GOSTARIA DE TER SIDO UM GUTERRISMO MAS NÃO FOI
O país, que esteve cego pela falsa abundância do guterrismo, é o país idêntico ao que transporta a depressão nacional do santanismo. Um é o reverso aparente do outro, ambos são feitos da mesma massa, mas um correu bem ao princípio e fugiu no fim e o outro nunca correu bem e vai acabar mal. Está escrito nas estrelas. (Não foi preciso alterar esta frase, porque as estrelas cumpriram o seu dever.)
O guterrismo era um optimismo caro, o santanismo está a ser um pessimismo caro, mas gostava em bebé de ter sido um guterrismo. O que é que impede que o santanismo seja um guterrismo mesmo que mais pobre, mas igualmente despesista e incapaz de pensar o futuro? À primeira vista, o estilo populista do Primeiro-ministro deveria ser mais eficaz do que as simples técnicas do “Kiss” (keep it simple and stupid) do guterrismo, mas verificou-se que mesmo com tanto assessor e marketing, os resultados são escassos.
O problema está no produto. O engenheiro sabia umas coisas, tinha sido um aluno aplicado, e dominava as matérias da governação. Governava mal, mas não era por impreparação, era por socialismo e “solidariedade cristã”, era pelo pendor para o facilitismo, era porque demasiada abundância, num país como Portugal, dá sempre asneira. Mas era um homem estável e sossegado.
O actual Primeiro-ministro agita-se na razão directa da sua impreparação para o cargo que exerceu. Não tem credibilidade junto dos seus pares, nem conhecimento para discutir com eles qualquer vaga medida governamental. Quando é “espontâneo”, como lhe pedem aqueles que pensam que assim se salva melhor, o resultado é o discurso da incubadora, signé Santana Lopes como se fosse uma tatuagem a fogo.
É chefe de um grupo que precisa dele mais do que o contrário, mas, como respira fidelidades reverenciais, tende a escolher mal. Quem é que estaria disposto, entre os melhores, a ouvi-lo o dia todo a queixar-se de “eles”, a falar de “alguns”, a acusar “outros”, inuendos que não faltam em nenhuma sua frase “espontânea”?
O resultado está à vista. Esteve sempre à vista para quem era capaz de o ver.
A DEBANDADA
Um sector social importante e interessante entusiasmou-se com o guterrismo e deu uma importante caução ao santanismo nos seus dire straits iniciais: uma parte dos empresários portugueses com destaque para aqueles que precisam de um estado gastador e benevolente ao seu lado para os “proteger”.
O sinal interessante do que ia acontecer apareceu no Diário Económico, mostrando que tinha começado a debandada. Título: “Empresários criticam Santana Lopes por instabilidade política”. Abertura da notícia: Os empresários e economistas portugueses declaram-se muito preocupados com os efeitos na economia do período de instabilidade política que se abriu com a nomeação de Santana Lopes para primeiro-ministro e que, no passado fim-de-semana, conheceu um novo pico (…) Os empresários ouvidos pelo DE acusam o Governo de não ter qualquer estratégia de promoção do desenvolvimento e de só se preocupar com a gestão do dia-a-dia.”
Em breve, o eng. Sócrates estará a fazer almoços com empresários, na tradição do eng. Guterres. Foi certamente algo que pesou junto do Presidente da República, como já tinha pesado antes há quantro meses atrás.
SERÁ QUE ALGUÉM FEZ ALGUMAS VIOLÊNCIAS DIVERSAS ÀS CRIANÇAS DA CASA PIA OU NADA ACONTECEU E A PRIMEIRA VÍTIMA É O SENHOR CARLOS SILVINO A QUEM NINGUÉM DÁ O BENEFÍCIO DA DÚVIDA`?
A ouvir os comentários sobre o processo Casa Pia parece que tudo é uma invenção, a não ser no caso do senhor Carlos Silvino que sobre esse ninguém se importa. Esse foi o único que eu vi de algemas, por isso deve ser o único culpado. Eu parecia-me que tinha havido “indícios” da existência de uma rede de prostituição infantil, que usava como mão-de-obra sexual as crianças da Casa Pia. Agora, ouvindo o que se diz, parece que havia prostituição mas não havia clientes. Engraçado que os que dizem que os acusados não são culpados (e podem não sê-lo) nunca se perguntam onde estarão os culpados. Porque alguma coisa aconteceu ou não? Ou é tudo invenção?
O MELHOR CRENTE
Todas as semanas Luís Delgado escreve uma oração ao Senhor dos Aflitos para que o mundo seja aquilo que ele quer que seja: bom para o dr. Santana Lopes, para o governo da nação, e para ele, o fiel dos fiéis. Para que nada aconteça. Para que nada se passe. Para que não haja cataclismos, nem ministros “irresponsáveis”. Para que haja calma e tranquilidade. Para que não haja “agitações reais e artificiais”. Para que não haja “alarmes”. Para que haja “pensamento positivo”. Para que os “negativistas” ardam no Inferno. Para que os críticos “ressentidos” sejam internados em hospitais psiquiátricos. Para que haja respeito. Para que não haja despeito. Para que haja outra entrevista em prime-time do primeiro-ministro para que este “fale” para o povo “por cima” dos “comentadores”. Para que a “comunicação passe” (uma frase marcelista). Para que o Natal chegue depressa. Para que haja muitas prendas no sapatinho. Para que a meteorologia se comporte bem. Para que os portugueses não ouçam as vozes da desgraça. Para que Santana mantenha o seu “integral domínio” da economia (sim, ele foi capaz de escrever isto num delírio da fé). Para que Santana continue no “seu melhor”, como está sempre e cada vez mais. Para que o Azul seja Verde. Para que o Amarelo seja Vermelho. Para que o duro seja mole. Para que o quente seja frio. Para que a gravidade nos puxe para cima. Para que Nosso Senhor nos ouça.
Não ouviu.
ELOGIO DA TASCHEN
O mundo é feito de mil palavras e de mil imagens. Das mil imagens muitas se perdem todos os dias, em particular as mais humildes, os cartazes, os panfletos, as capas dos discos, os reclames, os folhetos, as gravuras das caixas de fósforos, os prospectos turísticos, as ilustrações das publicações baratas, da pulp fiction, desenhos, gravuras, litografias, aguarelas, feitas por trabalhadores anónimos.
Esta colecção “Ícones” da Taschen, como aliás outras da mesma editora, recolhe e divulga de forma barata algumas dessas imagens, sonhos e medos, diabos e aviões, mariachis e santos, deuses indianos e pedagogia do socialismo da defunta RDA, tentações de Las Vegas e imaginações da ficção cientifica, cortes de cabelo em Bombaim e bares na cidade do pecado, ícones do nosso perdido tempo. É o mundo do kitsch, mas quem é que cresce no meio dos Uffizi ou da Tate?
2 Comments:
Tenho a sensação que PSL é um homem com capacidade política reduzida devido à má equipa (desde Ministros a assessores)que escolheu para o acompanhar durante a sua triste governação. Em relação ao Processo Casa Pia, já se nota os nomes ligados à maçonaria... todos eles já saltaram para fora do processo. Ou serei eu, o único e ver isso!!!
Se o PS ganhar as eleições ou melhor como parece que o PSD vai perder as eleições, sozinho ou coligado com o PP, torna-se imperioso pensar e preparar a era pós-barroso & santana, para reerguer a doutrina social-democrática, ainda que reformulada para o contexto político dos dias de hoje. Ou estaremos condenados ao liberalismo selvagem, que destrói classes médias, concentra a riqueza numa franja de sibaritas e distribui umas migalhas aos indigentes ?
Qual o papel dos intelectuais no PSD ?
Onde está a elaboração de doutrina política para os tempos actuais ?
Os mais válidos do PSD engordaram com as mordomias das Administrações de Empresas, que oportunamente foram acumulando, enfastiaram-se de política, dedicaram-se ao golfe ou à caça, recolheram a penates e calçaram as pantufas ; entretanto, os medíocres tomaram conta do partido, porque, como diziam os pré-científicos, a natureza tem horror ao vazio. Eis uma explicação para o que aconteceu ao PSD. Ninguém se rala ? Não bastam os gritos de alerta com metáforas da teoria monetária. O mal é muito profundo e algum já vem do tempo de Cavaco Silva, pese toda a sua honestidade e competência na área económico-financeira. Quem se propõe à tarefa da regeneração ? Continuaremos a aceitar a «falsa moeda» ?
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