7.12.04

A LAGARTIXA E O JACARÉ 13 (Novembro 2004)

O OUTRO DEBATE PÚBLICO: OS BLOGUES POLÍTICOS

O Causa Nossa, o blogue de um grupo de simpatizantes e militantes socialistas, com relevo para Vital Moreira, fez um ano. Na blogosfera, um ano é um século, pelo que aguentar a parada durante tanto tempo é mérito. No caso do Causa Nossa o mérito é tanto maior quanto este blogue é um dos animadores do debate político na rede e este, no seu conjunto, está a milhas de qualidade do que se pratica no espaço público dos átomos, em particular no sistema político-jornalístico. Nesse debate exterior há vozes individuais fortes e indispensáveis, a mecânica dos jornais dá à opinião um papel vigoroso e eficaz, mas é a preponderância de vozes individuais que sobreleva a um debate colectivo. Na blogosfera existe a informação, a interacção, a rapidez e a qualificação do debate sem paralelo “lá fora”. Como em todas as coisas há o bom, o mau e o muito mau, mas havendo o bom já não estamos mal.
Sendo injusto, como se é sempre quando se escolhe poucos entre muitos, esse debate político é fomentado essencialmente por um pequeno número de blogues, de que aqui cito cinco. Embora a política tenha uma representação em muitos outros blogues, mais pessoais ou mais especializados, os exemplos que vou dar são de blogues predominantemente sobre política, a maioria próximos dos socialistas e do Bloco de esquerda, e um mais à direita do espectro político, para utilizar os descritores habituais. A composição política da blogosfera conheceu uma evolução para a esquerda, que a coloca mais próxima dos equilíbrios do sistema político-comunicacional, em grande parte favorecida pela saída de alguns pioneiros que se assumiam como de direita e que migraram para a comunicação social tradicional. De igual modo, a forma como evoluiu o conflito iraquiano, uma pedra de toque nas polémicas iniciais, favoreceu a crescente intervenção da esquerda na blogosfera. Tal evolução era inevitável, mas a blogosfera continua a manter muitas especificidades, em particular uma forte representação do pensamento liberal e eurocéptico, que não tem expressão no sistema político-comunicacional fora da rede. Aí uma agenda política muito limitada e limitadora, assente no mainstream político, reflecte a escassez que tradicionalmente os partidos políticos e os jornais portugueses têm de liberdade e imaginação face á Europa e face ao “estado social”.

CINCO BLOGUES POLÍTICOS

Para além do Causa Nossa, são relevantes os Blogue de Esquerda II e Barnabé , ambos próximos do Bloco de Esquerda e da esquerda radical. O Barnabé é o mais lido, mas o menos influente pela sua duplicação da agenda jornalística e grande previsibilidade, enquanto o Blogue de Esquerda II, um pioneiro dos primeiros tempos da blogosfera, tem uma voz com identidade e qualidade. Perdeu o ambiente de polémica dos primeiros tempos, que hoje é assumido essencialmente pelo Barnabé, mas os interesses dos seus autores estão longe de se limitar à agenda político-jornalística e isso é dá-lhe uma respiração própria.
Alinhado no campo do socialismo moderado, o Bloguítica é de todos os que cito o único que é de autoria individual, escrito por Paulo Gorjão, o que representa um enorme esforço e trabalho do autor. No Bloguítica encontra-se uma análise sempre acertada do spin governamental, revelando, com exemplos, aquilo que muitas vezes escapa ao jornalismo superficial que se deixa usar e serve de eco para passar “mensagens” políticas com origem em sectores do governo. As mais recentes notas sobre a “trigunta” são um contraponto ao emaranhado jurídico em que Vital Moreira se deixou prender na questão da pergunta do referendo europeu.
Para servir de contraponto a esta hegemonia da esquerda, o Blasfémias é o herdeiro colectivo de um grupo de blogues ligados ao pensamento liberal e aos dissidentes do PP, mas que ganharam em conjunto uma dimensão e uma massa crítica que o fazem a melhor voz liberal na blogosfera. Nele escreve João Miranda um caso muito interessante de humor e perspicácia política, traduzida nas notas recentes sobre a pergunta do referendo, muito mais imaginativo que os imitadores nacionais do Spectator.

EXEMPLO DA INFORMAÇÃO EXISTENTE NOS BLOGUES - A RECORDAÇÃO DE “UM FILÓSOFO JÁ ANTIGO”

Citado nos blogues, com a importância devida, ignorado fora deles, este diálogo no Parlamento Europeu, para se perceber o “caso Buttiglione”:

Buitenweg : "Senhor Buttiglione: Algumas das suas opiniões estão em directa contradição com a lei europeia. Por exemplo: a discriminação com base na orientação sexual é interdita e o Senhor disse que a homossexualidade é um pecado e é sinal de desordem moral. Gostaria de saber directamente de si, agora, como é que nós poderemos esperar que o Senhor combata por esse direito e se poderia dar-nos um exemplo de como espera alcançar o seu objectivo."

Buttiglione: "Posso recordar um filósofo, já antigo, mas talvez não completamente esquecido, de Könisberg - um tal Emmanuel Kant -, que fez uma clara distinção entre moralidade e direito. Muitas coisas, que podem ser consideradas imorais, não devem ser proibidas. Quando fazemos política, não renunciamos ao direito de ter convicções e eu posso pensar que a homossexualidade é um pecado e isso não ter efeito na política, o que só sucederia se eu dissesse que a homossexualidade é um crime. Da mesma maneira, a Senhora é livre de pensar que eu sou um pecador em muitas coisas da vida, e isso não tem nenhum efeito nas nossas relações como cidadãos.

"Direi por isso que considero uma abordagem inadequada do problema pretender que toda a gente concorde em questões de moralidade.(…) "Nós podemos construir uma comunidade de cidadãos mesmo que em algumas questões de moralidade tenhamos opiniões diferentes. A questão é, isso sim, da não discriminação. O Estado não tem o direito de meter o nariz nessas questões de moralidade e ninguém pode ser discriminado com base na sua orientação sexual ou qualquer orientação de género. É isto o que está na Carta dos Direitos Fundamentais, na Constituição, e eu tenho defendido esta Constituição."


A INFLUÈNCIA DOS BLOGUES POLÍTICOS CONTRA O JORNALISMO DE REBANHO

A influência destes blogues é grande, mas ainda demasiado invisível. São lidos já hoje por milhares de pessoas por dia, e os mais lidos têm mais leitores do que alguns jornais diários como A Capital. Todos são lidos pela generalidade dos jornalistas, e muitos deles fornecem um suplemento mais fresco de questões, debates, pontos de vista, informações que a imprensa tradicional aproveita quase sempre sem citar. Enquanto nos blogues há uma cultura da citação, pelas características de hipertexto que tem a rede, nos jornais só se cita inter-pares, quando a visibilidade de um artigo ou de uma opinião a torna inevitavelmente de autor.
Mas, do mal, o menos, sempre se contraria a tendência para o “pack journalism”, o jornalismo de rebanho, que tanto caracteriza os órgãos de comunicação social de hoje. O que um diz é igual ao que diz o outro e por aí adiante, e ninguém se atreve a ter um olhar diferente. Continua a ser pejorativo que se diga de um jornal ou de um noticiário televisivo “só eles é que pegaram nesse aspecto”, como se isso fosse um defeito, o preço do afastamento do rebanho.
Nos blogues, o efeito de rebanho também existe, em particular na dependência da agenda mediática, mas é menor e funciona doutra maneira. Há lá muito ego á solta, os que sabem e os que não sabem. Dos que não sabem, o peso da ignorância presumida empurra para o limbo, dos que sabem, aprende-se mesmo quando não se concorda. Leiam os blogues que vale a pena.

1 Comments:

Blogger Daniel said...

Era só para avisar que dos links para os "cinco blogs políticos", dois não estão a funcionar (Blogue de Esquerda II e o Barnabé). Não sei se os enderessos estão bem introduzidos ou se simplesmente há algum daqueles problemas da internet que nunca compreendo. É tudo.

10:27 da tarde  

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