OS TRABALHOS DO PRESIDENTE BARROSO (1) (Julho 2004)
O Pacto de Estabilidade
O Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC) vai ser um teste ao novo Presidente da Comissão em dois aspectos fundamentais. Um é o próprio conteúdo do Pacto e as pressões para a sua revisão. Veremos se o novo governo português se junta aos socialistas e aos governos faltosos pondo em causa a validade do Pacto e exigindo ou a sua suspensão, ou a alteração do seu conteúdo, de modo a permitir políticas mais expansionistas. O outro aspecto do teste, e mais importante do ponto de vista institucional, é saber se a Comissão se vai manter firme na posição que Prodi tomou, uma das poucas relevantes em termos de afirmação da autoridade da Comissão, de considerar que a Comissão, como “depositária” do cumprimento dos Tratados, tinha sido posta em causa pela decisão do Conselho poupando à França e Alemanha as sanções devidas por violarem o Pacto. Esta posição mereceu a concordância do Tribunal de Justiça, pelo que a Comissão deve naturalmente aplicar essas sanções. Vamos ver o que o Presidente Barroso fará, embora o que está escrito no Pacto seja claro:
“As sanções consistem na obrigação de o Estado-Membro em causa efectuar um depósito sem juros, provavelmente associado a outras sanções não pecuniárias previstas no Tratado. Se a situação de défice excessivo não for corrigida no período de dois anos, o depósito é transformado em multa. O limite máximo para o montante anual do depósito equivale a 0,5% do PIB do país em causa.”
Um subproduto desta questão é saber qual vai ser a atitude da Comissão se Portugal voltar de novo a ultrapassar os 3% do défice, risco para que já fomos avisados.
A “Cimeira de Lisboa”
A “Cimeira de Lisboa” foi desde a origem uma das maiores colecções de ambiguidades da UE. Pensada como uma espécie de Plano Quinquenal para a economia e a tecnologia da Europa, foi apresentada por Guterres como uma competição com os EUA. Guterres disse aliás uma frase, muito semelhante à de Krutchov, sobre a “ultrapassagem” dos EUA em 2010. Krutchov apontara o ano 2000 para que a economia do socialismo soviético “ultrapassasse” a dos EUA. Os resultados estão à vista: a URSS foi para onde se viu, para o “caixote do lixo” da história, e, todos os anos, a diferença entre a Europa e os EUA é maior. O benchmarking revela que, em 2004, a Europa está mais atrasada face aos EUA em todos os critérios comparativos, do que no momento da célebre frase de Guterres. Saliente-se, de passagem, que um dos países que contribuiu para esse atraso foi Portugal, onde os objectivos da “Cimeira de Lisboa” estão longe de ser cumpridos. Foi este aliás um dos argumentos utilizados contra a nomeação de Barroso no Parlamento Europeu.
O problema da “Cimeira de Lisboa” não é a relevância das suas intenções, nem do problema de modernização tecnológica da economia europeia que suscita. É passar ao lado de qualquer análise de fundo dos problemas estruturais que explicam o atraso europeu, em particular os do sacrossanto “modelo social europeu”, uma receita a prazo para todos os desastres. Veremos se o Presidente Barroso consegue atacar o problema de frente ou se vai querer o melhor de dois mundos e não conseguir nenhum.
Referendos
A Constituição Europeia foi um dos maiores exercícios de défice democrático a que a Europa se entregou nos últimos anos. Não exigida a não ser por uma elite europeísta, assente em nenhuma necessidade vital (bastava um tratado que garantisse normas de funcionamento eficazes a vinte e cinco), realizada in camera, sem legitimidade nem escrutínio democrático, violando inclusive os termos da encomenda inicial (simplificar os tratados e devolver poderes às nações) com resultados inversos (complicou os tratados e concentrou poderes numa estrutura confusa e contraditória), a Constituição promete ser uma importante fonte de confusões e conflitos desnecessários nos anos que aí vêm.
Para tentar dar à Constituição uma legitimidade democrática que ela não tem, vários Estados vão realizar referendos, uns mais transparentes do que outros. Seja como for, o Presidente da Comissão vai ter que fazer campanha numa altura em que o eurocepticismo se revelou nas urnas em crescendo e defrontar o problema político da mais que provável reprovação da Constituição num ou mais referendos.
PESC
A política externa da Europa tem sido de uma irrelevância total. Desapoiada de qualquer ideia estratégica de fundo, a não ser uns restos de gaullismo metamorfoseados em anti-americanismo, a Europa foi incapaz de ter uma política activa até mesmo nas áreas da sua imediata influência e interesse: Médio Oriente, África, Rússia.
A sua acção permanece centrada numa política “olimpiana” de ajuda humanitária e ao desenvolvimento, a que não corresponde qualquer influência política acrescida. O caso mais exemplar é o do conflito israelo-palestiniano, onde a Europa surge como o principal apoiante e financiador da Autoridade Palestiniana, fechando os olhos à corrupção, ao desvio de dinheiros para grupos terroristas e para doutrinação radical e fundamentalista. Apesar disso, não tem nenhuma influência sobre aqueles que financia, minimamente comparável ao “Grande Satã” americano.
Veremos se o Presidente Barroso, com experiência nesta área, consegue ultrapassar a nulidade que Solana tem demonstrado, ou, caso se mantenha comissário, a habilidade pérfida de Patten, um dos mais capazes eurocratas (e mais do que isso) em funções. No entanto, a escolha da recondução de Solana, nas negociações de distribuições de lugares entre os grandes não indicia alterações significativas.
Maiorias e minorias
As novas regras, que implicam votações por maioria simples ou qualificada na UE, diminuindo as áreas onde permanece obrigatório o “consenso”, vão alterar o modo como as nações se vão relacionar entre si no quadro europeu. Embora muitas votações continuem a ter geometria variável, pode vir a assistir-se em matérias de fundo, como a economia, a defesa e a política externa, à formação de maiorias e minorias estáveis. Uns ganharão sempre, outros perderão sempre. O potencial de perturbação desta situação é grande, levando nações, ou grupos de nações, a considerarem que o equilíbrio entre os interesses europeus e os seus interesses nacionais está rompido. Já há indícios deste risco, nos tempos pós-iraquianos. O Presidente Barroso terá que usar toda a sua influência e autoridade para evitar esta situação, e para isso não pode ter a tentação de se aliar ao eixo franco-alemão, o núcleo de onde mais pode vir, a prazo (Pacto de estabilidade, reforma da PAC, política externa), uma maior intransigência negocial.
(Continua)
O Pacto de Estabilidade
O Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC) vai ser um teste ao novo Presidente da Comissão em dois aspectos fundamentais. Um é o próprio conteúdo do Pacto e as pressões para a sua revisão. Veremos se o novo governo português se junta aos socialistas e aos governos faltosos pondo em causa a validade do Pacto e exigindo ou a sua suspensão, ou a alteração do seu conteúdo, de modo a permitir políticas mais expansionistas. O outro aspecto do teste, e mais importante do ponto de vista institucional, é saber se a Comissão se vai manter firme na posição que Prodi tomou, uma das poucas relevantes em termos de afirmação da autoridade da Comissão, de considerar que a Comissão, como “depositária” do cumprimento dos Tratados, tinha sido posta em causa pela decisão do Conselho poupando à França e Alemanha as sanções devidas por violarem o Pacto. Esta posição mereceu a concordância do Tribunal de Justiça, pelo que a Comissão deve naturalmente aplicar essas sanções. Vamos ver o que o Presidente Barroso fará, embora o que está escrito no Pacto seja claro:
“As sanções consistem na obrigação de o Estado-Membro em causa efectuar um depósito sem juros, provavelmente associado a outras sanções não pecuniárias previstas no Tratado. Se a situação de défice excessivo não for corrigida no período de dois anos, o depósito é transformado em multa. O limite máximo para o montante anual do depósito equivale a 0,5% do PIB do país em causa.”
Um subproduto desta questão é saber qual vai ser a atitude da Comissão se Portugal voltar de novo a ultrapassar os 3% do défice, risco para que já fomos avisados.
A “Cimeira de Lisboa”
A “Cimeira de Lisboa” foi desde a origem uma das maiores colecções de ambiguidades da UE. Pensada como uma espécie de Plano Quinquenal para a economia e a tecnologia da Europa, foi apresentada por Guterres como uma competição com os EUA. Guterres disse aliás uma frase, muito semelhante à de Krutchov, sobre a “ultrapassagem” dos EUA em 2010. Krutchov apontara o ano 2000 para que a economia do socialismo soviético “ultrapassasse” a dos EUA. Os resultados estão à vista: a URSS foi para onde se viu, para o “caixote do lixo” da história, e, todos os anos, a diferença entre a Europa e os EUA é maior. O benchmarking revela que, em 2004, a Europa está mais atrasada face aos EUA em todos os critérios comparativos, do que no momento da célebre frase de Guterres. Saliente-se, de passagem, que um dos países que contribuiu para esse atraso foi Portugal, onde os objectivos da “Cimeira de Lisboa” estão longe de ser cumpridos. Foi este aliás um dos argumentos utilizados contra a nomeação de Barroso no Parlamento Europeu.
O problema da “Cimeira de Lisboa” não é a relevância das suas intenções, nem do problema de modernização tecnológica da economia europeia que suscita. É passar ao lado de qualquer análise de fundo dos problemas estruturais que explicam o atraso europeu, em particular os do sacrossanto “modelo social europeu”, uma receita a prazo para todos os desastres. Veremos se o Presidente Barroso consegue atacar o problema de frente ou se vai querer o melhor de dois mundos e não conseguir nenhum.
Referendos
A Constituição Europeia foi um dos maiores exercícios de défice democrático a que a Europa se entregou nos últimos anos. Não exigida a não ser por uma elite europeísta, assente em nenhuma necessidade vital (bastava um tratado que garantisse normas de funcionamento eficazes a vinte e cinco), realizada in camera, sem legitimidade nem escrutínio democrático, violando inclusive os termos da encomenda inicial (simplificar os tratados e devolver poderes às nações) com resultados inversos (complicou os tratados e concentrou poderes numa estrutura confusa e contraditória), a Constituição promete ser uma importante fonte de confusões e conflitos desnecessários nos anos que aí vêm.
Para tentar dar à Constituição uma legitimidade democrática que ela não tem, vários Estados vão realizar referendos, uns mais transparentes do que outros. Seja como for, o Presidente da Comissão vai ter que fazer campanha numa altura em que o eurocepticismo se revelou nas urnas em crescendo e defrontar o problema político da mais que provável reprovação da Constituição num ou mais referendos.
PESC
A política externa da Europa tem sido de uma irrelevância total. Desapoiada de qualquer ideia estratégica de fundo, a não ser uns restos de gaullismo metamorfoseados em anti-americanismo, a Europa foi incapaz de ter uma política activa até mesmo nas áreas da sua imediata influência e interesse: Médio Oriente, África, Rússia.
A sua acção permanece centrada numa política “olimpiana” de ajuda humanitária e ao desenvolvimento, a que não corresponde qualquer influência política acrescida. O caso mais exemplar é o do conflito israelo-palestiniano, onde a Europa surge como o principal apoiante e financiador da Autoridade Palestiniana, fechando os olhos à corrupção, ao desvio de dinheiros para grupos terroristas e para doutrinação radical e fundamentalista. Apesar disso, não tem nenhuma influência sobre aqueles que financia, minimamente comparável ao “Grande Satã” americano.
Veremos se o Presidente Barroso, com experiência nesta área, consegue ultrapassar a nulidade que Solana tem demonstrado, ou, caso se mantenha comissário, a habilidade pérfida de Patten, um dos mais capazes eurocratas (e mais do que isso) em funções. No entanto, a escolha da recondução de Solana, nas negociações de distribuições de lugares entre os grandes não indicia alterações significativas.
Maiorias e minorias
As novas regras, que implicam votações por maioria simples ou qualificada na UE, diminuindo as áreas onde permanece obrigatório o “consenso”, vão alterar o modo como as nações se vão relacionar entre si no quadro europeu. Embora muitas votações continuem a ter geometria variável, pode vir a assistir-se em matérias de fundo, como a economia, a defesa e a política externa, à formação de maiorias e minorias estáveis. Uns ganharão sempre, outros perderão sempre. O potencial de perturbação desta situação é grande, levando nações, ou grupos de nações, a considerarem que o equilíbrio entre os interesses europeus e os seus interesses nacionais está rompido. Já há indícios deste risco, nos tempos pós-iraquianos. O Presidente Barroso terá que usar toda a sua influência e autoridade para evitar esta situação, e para isso não pode ter a tentação de se aliar ao eixo franco-alemão, o núcleo de onde mais pode vir, a prazo (Pacto de estabilidade, reforma da PAC, política externa), uma maior intransigência negocial.
(Continua)
3 Comments:
Parabéns pelo excelente trabalho que tem desenvolvido em prol da sociedade. Esperemos que o título deste blog se concretize.
O Comércio do Porto ainda vive.
Leaim-nos em
ocomerciodoporto.blogspot.com
Deixo-lhe aqui um convite: uma visita ao meu espaço.
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