A LAGARTIXA E O JACARÉ 30
CRIME, VIOLÊNCIA, RAÇA, SEXO, CULTURA E NAÇÃO
A ideia politicamente correcta de que não se deve nomear a cor, nacionalidade (no caso de emigrantes) ou qualquer outro pormenor que possa ser considerado racista, sexista, ou xenófobo, nas notícias dos crimes, é só e apenas isso: politicamente correcta. Na prática, censura-nos uma informação que devíamos ter: a relação entre a criminalidade e os factores sociais e culturais onde ela encontra raízes. Nos crimes não há (não deve haver) desresponsabilização individual por razões “sociais” e muito menos “explicações” colectivas que desvalorizem o acto criminoso, e é insensato pensar que não há ”meios” de cultura favoráveis que incluem hoje a cor da pele, a idade, os padrões de consumo “cultural”, e o “ambiente”, a ecologia dos sítios. É veA rade para os lavradores que matam por águas e marcos do terreno; para os perdidos do mundo dos escritórios e da função pública que matam por ciúmes; para os mil e um “espertos” de todas as economias fora do fisco, sempre na linha entre a corrupção activa e passiva; para os ciganos, eternos vendedores e compradores de tudo que se compra e vende; para as máfias da emigração, que exportam métodos expeditos de “protecção” e punição; e para os desenraizados violentos dos subúrbios negros e, a prazo, islâmicos.
As recentes mortes de polícias não foram obra de “bandos de pretos”, mas uniram no assassinato duas realidades do crime: a nova criminalidade violenta e agressiva dos bandos de negros de segunda geração, ou seja portugueses filhos da primeira geração de emigrantes das nossas antigas colónias de África, e o submundo da “noite” do subúrbio, bares, casas de alterne, prostituição, tráfico de tudo, drogas e armas, economia paralela, ainda dominantemente caucasiano branco, ainda dominantemente português, embora a nova emigração do leste lhe dê um braço armado mais pesado.
Em ambos os casos as explicações “sociais” são mais que conhecidas, em particular para a nova criminalidade violenta ligada a grupos de jovens negros: vida de gueto, segunda geração sem a vontade de integração dos pais, sem a subserviência da emigração que veio da miséria absoluta e aceitava tudo, sentindo o racismo da sociedade branca como ninguém e respondendo-lhe com uma procura de identidade no crime e na violência. Muito centro comercial, muito filme americano, muito rap, muito jogo de vídeo, nenhuma escolarização, e, na cabeça, a violência como afirmação de força e identidade. É um problema sério cuja versão light se encontra todos os dias nos bandos que habitam o Colombo e outros centros comerciais, ou em que miúdos assaltam miúdos à porta de tudo o que é escola.
Depois há os grandes negócios clandestinos de sempre, a prostituição, a droga, as armas (este em crescendo), e todo um mundo de oportunidades na “indústria da noite”, a dos ricos e a dos pobres. Uma nova riqueza consumista, dinheiro mal ganho por todo o lado, no “estado social”, na economia clandestina da construção civil, nos jeitos e “biscates”, nas lojas que nascem e desaparecem sem que ninguém as perceba, na lavagem de muito dinheiro, tudo isto atraí uma competição sem tréguas, onde habitam personagens não muito distintas das da “Quinta das Celebridades”, quer as vindas de Cascais quer as da Brandoa.
Aqui Portugal mudou e muito e precisa de o compreender sem ser aos sobressaltos televisivos de cada crime. Precisa de outros polícias, outros magistrados e, num ou noutro caso, de novos procedimentos adoptados a uma realidade mais cruel. Mas precisa também de outras escolas e outros subúrbios, porque estes, feitos pela ilegalidade consentida de autarcas e governantes, vieram do crime e da pobreza e perpetuam o crime e a insegurança.
“CHOQUE TECNOLÓGICO” E “ESTRATÉGIA DE LISBOA”
A ênfase do governo num “choque tecnológico” é uma opção política que merece ser discutida por mais do que o título progressista nos iluda. Há sobre esta matéria duas maneiras de ver a tecnologia na sua relação com a economia, no fundo, do “choque tecnológico”: uma, a americana, outra a europeia. Já para não confundir as coisas acrescentando a indiana, a singapureana (que subsume a chinesa) e a japonesa que está em decadência no Japão, mas floresce em Taiwan e na Coreia.
Anunciada com grande fanfarra por Guterres, e criada quase pela mesma equipa que nos dá hoje o “choque tecnológico”, a “estratégia de Lisboa” era o sinal de partida da competição económica da Europa com os EUA. Deveria transformar, numa década, a Europa na economia mais competitiva do mundo, e ser medida por métodos de avaliação. Essa medição, talvez a única coisa benéfica que sobrou, mostra o completo falhanço da “estratégia de Lisboa” – a Europa atrasou-se e muito dos EUA. A meio caminho do prazo estabelecido, muitos dirigentes europeus não se coíbem de a criticar abertamente apontando para razões estruturais na própria concepção dessa “estratégia” e que estarão por detrás do seu fracasso.
Entre essas razões estará a rigidez do chamado “modelo social europeu”, a falta de espírito empresarial nos sectores chave da investigação, nas universidades e entre os jovens e a enorme dependência do estado e dos seus monopólios actuais ou deixados de herança nas privatizações, nos sectores das novas tecnologias. Se a isso acrescentarmos o papel crucial que tem na economia e investigação americanas os avultados investimentos militares, percebemos a diferença entre a mobilidade americana e a rigidez europeia. O debate sobre a “directiva Bolkenstein”, recusada quase liminarmente por países como a França, é só mais uma verificação da “closed shop” europeia.
O “choque tecnológico” de Sócrates é uma herança da “estratégia de Lisboa” com todas as suas ambiguidades: apela ao investimento privado, mas depende acima de tudo do investimento público. Dificilmente se vê como num país que trata o “caso Bombardier” como se esta fosse uma empresa nacionalizada, onde as universidades como a de Coimbra, que tem vagamente relações com o sector privado, se acham já “mercantilizadas”, onde ser funcionário público é uma aspiração que move milhares de jovens, onde fazer uma empresa é igual a abrir uma loja de roupa ou um bar ou um cabeleireiro, se pode ir mais longe do que tecer estratégias de resistência e de recuo, de velhas sociedades perdidas no seu pequeno conforto imediato e incapazes de assegurar sequer a reprodução desse conforto.
A CRENÇA NA INDIGNAÇÃO E NA VERGONHA
Também já a tive, mas perdi-a. Não é preciso ir mais longe e ver Fátima Felgueiras na televisão a falar de alto, como se fossemos nós que lhe devemos alguma coisa e não ela às leis do seu país e, presumivelmente, ao bom uso dos dinheiros públicos; ou lendo mil e umas entrevistas assinalando “regressos” de pessoas acusadas de histórias por esclarecer que continuam a ficar por esclarecer e continuam a ser populares e desejadas, logo desculpadas. Este limbo de impunidade, já o pensei, na minha inocência, que provocava a ira popular. Hoje desconfio muito dessa falsa indignação e vergonha, porque, nos momentos cruciais, os “populares” mostram uma esplendorosa complacência com os prevaricadores.
Fátima Felgueiras tratada na televisão como vítima da justiça, negociando os seus directos, atirando-nos com a sua condição de “perseguida”, recebe não indignação, mas um encolher de ombros quando não um apoio explicito. Vai-se a Felgueiras, à terra, e vê-se esse esplendor da complacência. Aliado ao medo. Pudera. É de ter.
CRIME, VIOLÊNCIA, RAÇA, SEXO, CULTURA E NAÇÃO
A ideia politicamente correcta de que não se deve nomear a cor, nacionalidade (no caso de emigrantes) ou qualquer outro pormenor que possa ser considerado racista, sexista, ou xenófobo, nas notícias dos crimes, é só e apenas isso: politicamente correcta. Na prática, censura-nos uma informação que devíamos ter: a relação entre a criminalidade e os factores sociais e culturais onde ela encontra raízes. Nos crimes não há (não deve haver) desresponsabilização individual por razões “sociais” e muito menos “explicações” colectivas que desvalorizem o acto criminoso, e é insensato pensar que não há ”meios” de cultura favoráveis que incluem hoje a cor da pele, a idade, os padrões de consumo “cultural”, e o “ambiente”, a ecologia dos sítios. É veA rade para os lavradores que matam por águas e marcos do terreno; para os perdidos do mundo dos escritórios e da função pública que matam por ciúmes; para os mil e um “espertos” de todas as economias fora do fisco, sempre na linha entre a corrupção activa e passiva; para os ciganos, eternos vendedores e compradores de tudo que se compra e vende; para as máfias da emigração, que exportam métodos expeditos de “protecção” e punição; e para os desenraizados violentos dos subúrbios negros e, a prazo, islâmicos.
As recentes mortes de polícias não foram obra de “bandos de pretos”, mas uniram no assassinato duas realidades do crime: a nova criminalidade violenta e agressiva dos bandos de negros de segunda geração, ou seja portugueses filhos da primeira geração de emigrantes das nossas antigas colónias de África, e o submundo da “noite” do subúrbio, bares, casas de alterne, prostituição, tráfico de tudo, drogas e armas, economia paralela, ainda dominantemente caucasiano branco, ainda dominantemente português, embora a nova emigração do leste lhe dê um braço armado mais pesado.
Em ambos os casos as explicações “sociais” são mais que conhecidas, em particular para a nova criminalidade violenta ligada a grupos de jovens negros: vida de gueto, segunda geração sem a vontade de integração dos pais, sem a subserviência da emigração que veio da miséria absoluta e aceitava tudo, sentindo o racismo da sociedade branca como ninguém e respondendo-lhe com uma procura de identidade no crime e na violência. Muito centro comercial, muito filme americano, muito rap, muito jogo de vídeo, nenhuma escolarização, e, na cabeça, a violência como afirmação de força e identidade. É um problema sério cuja versão light se encontra todos os dias nos bandos que habitam o Colombo e outros centros comerciais, ou em que miúdos assaltam miúdos à porta de tudo o que é escola.
Depois há os grandes negócios clandestinos de sempre, a prostituição, a droga, as armas (este em crescendo), e todo um mundo de oportunidades na “indústria da noite”, a dos ricos e a dos pobres. Uma nova riqueza consumista, dinheiro mal ganho por todo o lado, no “estado social”, na economia clandestina da construção civil, nos jeitos e “biscates”, nas lojas que nascem e desaparecem sem que ninguém as perceba, na lavagem de muito dinheiro, tudo isto atraí uma competição sem tréguas, onde habitam personagens não muito distintas das da “Quinta das Celebridades”, quer as vindas de Cascais quer as da Brandoa.
Aqui Portugal mudou e muito e precisa de o compreender sem ser aos sobressaltos televisivos de cada crime. Precisa de outros polícias, outros magistrados e, num ou noutro caso, de novos procedimentos adoptados a uma realidade mais cruel. Mas precisa também de outras escolas e outros subúrbios, porque estes, feitos pela ilegalidade consentida de autarcas e governantes, vieram do crime e da pobreza e perpetuam o crime e a insegurança.
“CHOQUE TECNOLÓGICO” E “ESTRATÉGIA DE LISBOA”
A ênfase do governo num “choque tecnológico” é uma opção política que merece ser discutida por mais do que o título progressista nos iluda. Há sobre esta matéria duas maneiras de ver a tecnologia na sua relação com a economia, no fundo, do “choque tecnológico”: uma, a americana, outra a europeia. Já para não confundir as coisas acrescentando a indiana, a singapureana (que subsume a chinesa) e a japonesa que está em decadência no Japão, mas floresce em Taiwan e na Coreia.
Anunciada com grande fanfarra por Guterres, e criada quase pela mesma equipa que nos dá hoje o “choque tecnológico”, a “estratégia de Lisboa” era o sinal de partida da competição económica da Europa com os EUA. Deveria transformar, numa década, a Europa na economia mais competitiva do mundo, e ser medida por métodos de avaliação. Essa medição, talvez a única coisa benéfica que sobrou, mostra o completo falhanço da “estratégia de Lisboa” – a Europa atrasou-se e muito dos EUA. A meio caminho do prazo estabelecido, muitos dirigentes europeus não se coíbem de a criticar abertamente apontando para razões estruturais na própria concepção dessa “estratégia” e que estarão por detrás do seu fracasso.
Entre essas razões estará a rigidez do chamado “modelo social europeu”, a falta de espírito empresarial nos sectores chave da investigação, nas universidades e entre os jovens e a enorme dependência do estado e dos seus monopólios actuais ou deixados de herança nas privatizações, nos sectores das novas tecnologias. Se a isso acrescentarmos o papel crucial que tem na economia e investigação americanas os avultados investimentos militares, percebemos a diferença entre a mobilidade americana e a rigidez europeia. O debate sobre a “directiva Bolkenstein”, recusada quase liminarmente por países como a França, é só mais uma verificação da “closed shop” europeia.
O “choque tecnológico” de Sócrates é uma herança da “estratégia de Lisboa” com todas as suas ambiguidades: apela ao investimento privado, mas depende acima de tudo do investimento público. Dificilmente se vê como num país que trata o “caso Bombardier” como se esta fosse uma empresa nacionalizada, onde as universidades como a de Coimbra, que tem vagamente relações com o sector privado, se acham já “mercantilizadas”, onde ser funcionário público é uma aspiração que move milhares de jovens, onde fazer uma empresa é igual a abrir uma loja de roupa ou um bar ou um cabeleireiro, se pode ir mais longe do que tecer estratégias de resistência e de recuo, de velhas sociedades perdidas no seu pequeno conforto imediato e incapazes de assegurar sequer a reprodução desse conforto.
A CRENÇA NA INDIGNAÇÃO E NA VERGONHA
Também já a tive, mas perdi-a. Não é preciso ir mais longe e ver Fátima Felgueiras na televisão a falar de alto, como se fossemos nós que lhe devemos alguma coisa e não ela às leis do seu país e, presumivelmente, ao bom uso dos dinheiros públicos; ou lendo mil e umas entrevistas assinalando “regressos” de pessoas acusadas de histórias por esclarecer que continuam a ficar por esclarecer e continuam a ser populares e desejadas, logo desculpadas. Este limbo de impunidade, já o pensei, na minha inocência, que provocava a ira popular. Hoje desconfio muito dessa falsa indignação e vergonha, porque, nos momentos cruciais, os “populares” mostram uma esplendorosa complacência com os prevaricadores.
Fátima Felgueiras tratada na televisão como vítima da justiça, negociando os seus directos, atirando-nos com a sua condição de “perseguida”, recebe não indignação, mas um encolher de ombros quando não um apoio explicito. Vai-se a Felgueiras, à terra, e vê-se esse esplendor da complacência. Aliado ao medo. Pudera. É de ter.
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