A LAGARTIXA E O JACARÉ 31
É AGORA QUE SE ESTÃO A FAZER AS ASNEIRAS, DEPOIS É QUE ELAS SE MANIFESTAM
Tenho para mim uma regra, que a realidade costuma confirmar, que as grandes asneiras dos governos são normalmente tomadas nos primeiros momentos do exercício de funções. Tenho depois observado outra regra, que vem em pacote com a primeira, que estas asneiras são normalmente invisíveis quando são feitas, só se tornando evidentes quando os seus efeitos entram pelos olhos dentro de toda a gente. A essa observação acrescento outra: uma das razões porque são invisíveis se deve a toda uma panóplia de mecanismos que as protegem do escrutínio que deveriam ter e ou o adiam para o futuro, quando tudo já está entornado, ou as defendem no presente por razões de forma e não de conteúdo. Um destes mecanismos é o chamado “estado de graça”, espécie de tributo que o vício velho de todos os dias pensa que paga à virtude do novo, enquanto é novo. Todos os governos o tiveram, sim mesmo esse em que estão a pensar o teve, só que curto e fugaz, quando um coro de comentários afinava pelo diapasão do “o homem não tem lepra”, “vão ver que ainda nos surpreende”, “não subestimem as suas qualidades”. Os que disseram tudo isto já não se querem lembrar, mas a gente lembra-se por eles.
Os mecanismos comunicacionais ajudam também a este efeito de invisibilidade porque agora é o silêncio e a calma que são a novidade, onde antes era o barulho e a agitação. Vindos do psicodrama da campanha eleitoral, cheios de política até aos cabelos, na verdade cheios de politiquice, a dos políticos e a dos jornalistas, a comunicação ama a novidade antes da substância, que em bom rigor por ela não passa, e dedica-se a protegê-la com todas as forças. Há cumplicidades políticas, mas, no essencial, é o corso-ricorso dos tempos: o actual é aquele em que uns golfinhos aparecem mortos numa praia e são notícia de horário nobre. Será que os golfinhos são imortais e estes a excepção? Se calhar.
Ouço um coro a dizer em fundo: lá está o homem a dizer mal, mas porque é que ele não dá o benefício da dúvida? Conheço o coro contra os comentadores, vindo de outros comentadores, sobre os malefícios da função. Eu já caí nesse erro, no longínquo ano de 1987, acabava de se dar a revolução da primeira maioria absoluta e eu pensava que agora ia ser diferente, que o espírito do tempo ia descansar e tornar-nos outros, que havia um antes e um depois. Escrevi-o no Semanário, então um jornal, e Júdice, e bem, criticou a ingenuidade.
Há uma simples razão para tudo isto: o país em que acordamos a 20 de Fevereiro não é diferente daquele em que adormecemos a 19. Tem os mesmos problemas e, o que é mais grave, tende a não ter soluções, tende a ter adiamento das soluções, tende a ter as mesmas falsas soluções. E isso é o que se está a escolher agora, por estes dias, nos gabinetes do governo e nenhum indício melhor de que é assim do que o alívio com o fim do Pacto de Estabilidade, talvez a única coisa que, de fora para dentro, nos podia induzir a fazer reformas a doer. Deixou de doer lá fora, respiramos outra vez nos nossos tradicionais maus hábitos. Falaremos daqui a uns anos.
FIM DO PEC, PRINCIPIO DE COISA NENHUMA 1
Toda a história do Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC) é exemplar do que é a União Europeia dos dias de hoje. O PEC foi um complemento natural da moeda única e destinava-se a defende-la dos malefícios da inflação induzida pelo aumento do défice, que se esperava fosse a prática habitual dos países mal comportados, nomeadamente, Portugal e a Grécia. O PEC teve nos alemães os seus grandes defensores porque, com o fim do marco sólido e a sua troca com um euro que ainda não se sabia o que ia ser, eles queriam todas as garantias que não passavam de melhor para pior. A ironia da história foi que países como Portugal, contra o qual o Pacto foi feito, se esforçaram por cumprir o défice e a Alemanha e a França o deitaram fora pelas mesmas exactas razões contra as quais ele foi concebido: para proteger o “modelo social”, para combater o desemprego através dos gastos públicos em nome do “crescimento”. A simultaneidade do fim efectivo do Pacto com a recusa da directiva sobre a liberalização dos serviços retrata melhor do que tudo o estado da velha Europa: encostada a um canto, cada vez menos competitiva, defensiva do que tem hoje e hipotecando o amanhã.
FIM DO PEC, PRINCIPIO DE COISA NENHUMA 2
Tudo no Pacto e na sua história hipócrita é pouco virtuoso e ninguém verdadeiramente o defende, quase sempre pelas mesmas razões: os estados não querem ser limitados a gastar, os governos querem ganhar eleições ou pelo menos não as perder. No entanto, para Portugal, o Pacto tinha uma virtude: a tentativa, mesmo embrionária, de cumprir o Pacto empobrecia o estado e obrigava-o a prazo a ter que se reformar. Barroso inicialmente incorporou-a, ao escolher Ferreira Leite, depois hesitou; Lopes deitou-a pela borda fora na primeira oportunidade, e Sócrates transformou o seu abandono definitivo numa política virtuosa. Sempre o disse e repeti, é saudável o sufoco financeiro do estado porque obriga a prazo a ter que haver reformas que, sem uma forte pressão ou um estado de aguda necessidade, nunca se farão. O estado e o governo estrebuchavam por todo o lado, tentavam todos os paliativos e más soluções: tentavam aumentar as receitas a todo o custo, tentavam poupar onde não deviam para gastar onde também não deviam, faziam mil e um artifícios para nos enganarem, tudo para não tocar nas despesas que sustentavam o seu poder, a sua glória e a sua ineficiência. Mas lá chegaria o dia…
Agora já não chega, vamos voltar a uma espécie de “Fundo Social Europeu II”, chamado “choque tecnológico”. Mil licenciados vão inaugura-lo em nome da “modernização” das empresas, mas na realidade em nome do combate ao desemprego com o dinheiro público. Já há dinheiro outra vez, começaram os vícios.
A TRADUZIR: GELO
Onde está a “ultima fronteira”? Dentro ou fora, longe ou perto, alto ou baixo, no ar, no mar ou em terra? Verdadeiramente não me importa, porque me contento com pouco e, para o pouco com que me contento, a Antártida chega. Nunca lá fui e está no meu programa de vida ir. Não é que não tentasse, embora sem sucesso. Quando recebi um ou outro convite de países para fazer visitas e me disseram “escolha onde quer ir”, a minha primeira resposta foi “à base Amundsen-Scott não me importava de ir, ou à McMurdo talvez…”, ou “pode ser SANAE IV… ou Marion se não for possível”…Não podia ser. Um pouco incomodados lá me explicavam que, enfim, a Antártida não é bem território nacional e que o acesso às bases é difícil e as prioridades são para cientistas. Tretas, claro. Porque as bases dos diferentes países estão localizadas na parte do território que reivindicam – veja-se o Chile e a Argentina – e muitas tem militares e funções militares. À falta de ir, vou lendo sobre a Antártida e este livro de Stephen L. Pyne é do melhor que há. E sobre a Antártida há coisas muito boas.
É AGORA QUE SE ESTÃO A FAZER AS ASNEIRAS, DEPOIS É QUE ELAS SE MANIFESTAM
Tenho para mim uma regra, que a realidade costuma confirmar, que as grandes asneiras dos governos são normalmente tomadas nos primeiros momentos do exercício de funções. Tenho depois observado outra regra, que vem em pacote com a primeira, que estas asneiras são normalmente invisíveis quando são feitas, só se tornando evidentes quando os seus efeitos entram pelos olhos dentro de toda a gente. A essa observação acrescento outra: uma das razões porque são invisíveis se deve a toda uma panóplia de mecanismos que as protegem do escrutínio que deveriam ter e ou o adiam para o futuro, quando tudo já está entornado, ou as defendem no presente por razões de forma e não de conteúdo. Um destes mecanismos é o chamado “estado de graça”, espécie de tributo que o vício velho de todos os dias pensa que paga à virtude do novo, enquanto é novo. Todos os governos o tiveram, sim mesmo esse em que estão a pensar o teve, só que curto e fugaz, quando um coro de comentários afinava pelo diapasão do “o homem não tem lepra”, “vão ver que ainda nos surpreende”, “não subestimem as suas qualidades”. Os que disseram tudo isto já não se querem lembrar, mas a gente lembra-se por eles.
Os mecanismos comunicacionais ajudam também a este efeito de invisibilidade porque agora é o silêncio e a calma que são a novidade, onde antes era o barulho e a agitação. Vindos do psicodrama da campanha eleitoral, cheios de política até aos cabelos, na verdade cheios de politiquice, a dos políticos e a dos jornalistas, a comunicação ama a novidade antes da substância, que em bom rigor por ela não passa, e dedica-se a protegê-la com todas as forças. Há cumplicidades políticas, mas, no essencial, é o corso-ricorso dos tempos: o actual é aquele em que uns golfinhos aparecem mortos numa praia e são notícia de horário nobre. Será que os golfinhos são imortais e estes a excepção? Se calhar.
Ouço um coro a dizer em fundo: lá está o homem a dizer mal, mas porque é que ele não dá o benefício da dúvida? Conheço o coro contra os comentadores, vindo de outros comentadores, sobre os malefícios da função. Eu já caí nesse erro, no longínquo ano de 1987, acabava de se dar a revolução da primeira maioria absoluta e eu pensava que agora ia ser diferente, que o espírito do tempo ia descansar e tornar-nos outros, que havia um antes e um depois. Escrevi-o no Semanário, então um jornal, e Júdice, e bem, criticou a ingenuidade.
Há uma simples razão para tudo isto: o país em que acordamos a 20 de Fevereiro não é diferente daquele em que adormecemos a 19. Tem os mesmos problemas e, o que é mais grave, tende a não ter soluções, tende a ter adiamento das soluções, tende a ter as mesmas falsas soluções. E isso é o que se está a escolher agora, por estes dias, nos gabinetes do governo e nenhum indício melhor de que é assim do que o alívio com o fim do Pacto de Estabilidade, talvez a única coisa que, de fora para dentro, nos podia induzir a fazer reformas a doer. Deixou de doer lá fora, respiramos outra vez nos nossos tradicionais maus hábitos. Falaremos daqui a uns anos.
FIM DO PEC, PRINCIPIO DE COISA NENHUMA 1
Toda a história do Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC) é exemplar do que é a União Europeia dos dias de hoje. O PEC foi um complemento natural da moeda única e destinava-se a defende-la dos malefícios da inflação induzida pelo aumento do défice, que se esperava fosse a prática habitual dos países mal comportados, nomeadamente, Portugal e a Grécia. O PEC teve nos alemães os seus grandes defensores porque, com o fim do marco sólido e a sua troca com um euro que ainda não se sabia o que ia ser, eles queriam todas as garantias que não passavam de melhor para pior. A ironia da história foi que países como Portugal, contra o qual o Pacto foi feito, se esforçaram por cumprir o défice e a Alemanha e a França o deitaram fora pelas mesmas exactas razões contra as quais ele foi concebido: para proteger o “modelo social”, para combater o desemprego através dos gastos públicos em nome do “crescimento”. A simultaneidade do fim efectivo do Pacto com a recusa da directiva sobre a liberalização dos serviços retrata melhor do que tudo o estado da velha Europa: encostada a um canto, cada vez menos competitiva, defensiva do que tem hoje e hipotecando o amanhã.
FIM DO PEC, PRINCIPIO DE COISA NENHUMA 2
Tudo no Pacto e na sua história hipócrita é pouco virtuoso e ninguém verdadeiramente o defende, quase sempre pelas mesmas razões: os estados não querem ser limitados a gastar, os governos querem ganhar eleições ou pelo menos não as perder. No entanto, para Portugal, o Pacto tinha uma virtude: a tentativa, mesmo embrionária, de cumprir o Pacto empobrecia o estado e obrigava-o a prazo a ter que se reformar. Barroso inicialmente incorporou-a, ao escolher Ferreira Leite, depois hesitou; Lopes deitou-a pela borda fora na primeira oportunidade, e Sócrates transformou o seu abandono definitivo numa política virtuosa. Sempre o disse e repeti, é saudável o sufoco financeiro do estado porque obriga a prazo a ter que haver reformas que, sem uma forte pressão ou um estado de aguda necessidade, nunca se farão. O estado e o governo estrebuchavam por todo o lado, tentavam todos os paliativos e más soluções: tentavam aumentar as receitas a todo o custo, tentavam poupar onde não deviam para gastar onde também não deviam, faziam mil e um artifícios para nos enganarem, tudo para não tocar nas despesas que sustentavam o seu poder, a sua glória e a sua ineficiência. Mas lá chegaria o dia…
Agora já não chega, vamos voltar a uma espécie de “Fundo Social Europeu II”, chamado “choque tecnológico”. Mil licenciados vão inaugura-lo em nome da “modernização” das empresas, mas na realidade em nome do combate ao desemprego com o dinheiro público. Já há dinheiro outra vez, começaram os vícios.
A TRADUZIR: GELO
Onde está a “ultima fronteira”? Dentro ou fora, longe ou perto, alto ou baixo, no ar, no mar ou em terra? Verdadeiramente não me importa, porque me contento com pouco e, para o pouco com que me contento, a Antártida chega. Nunca lá fui e está no meu programa de vida ir. Não é que não tentasse, embora sem sucesso. Quando recebi um ou outro convite de países para fazer visitas e me disseram “escolha onde quer ir”, a minha primeira resposta foi “à base Amundsen-Scott não me importava de ir, ou à McMurdo talvez…”, ou “pode ser SANAE IV… ou Marion se não for possível”…Não podia ser. Um pouco incomodados lá me explicavam que, enfim, a Antártida não é bem território nacional e que o acesso às bases é difícil e as prioridades são para cientistas. Tretas, claro. Porque as bases dos diferentes países estão localizadas na parte do território que reivindicam – veja-se o Chile e a Argentina – e muitas tem militares e funções militares. À falta de ir, vou lendo sobre a Antártida e este livro de Stephen L. Pyne é do melhor que há. E sobre a Antártida há coisas muito boas.
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