19.9.04

A LAGARTIXA E O JACARÉ 4 (Setembro 2004)

O PEDIDO DE DESCULPAS QUE FALTA

A colocação dos professores é vista por muita gente de forma abstracta e instrumental. Para os pais, significa o alívio de ter os filhos fora de casa. Para as escolas, a criação de condições para poderem funcionar com regularidade. Para a maioria das pessoas, é “o início do ano lectivo”, um momento politizado da agenda comunicacional, que está em causa. Para muitos professores, significa a organização da vida toda e das suas famílias. Este ano significa a sua desorganização.
Com os atrasos ocorridos, os professores vão saber, na melhor das hipóteses, onde vão viver o próximo ano, a uma semana de terem que se apresentar nas escolas, que podem ser no canto oposto do país. Se são sozinhos e solteiros, não é difícil. Se tem família e filhos, (e muitas professoras são jovens mães) , já tudo é muito complicado. O atraso nas colocações é uma enorme perturbação nas suas vidas, afectando dezenas de milhares de pessoas. Sem vantagem para ninguém. Inutilmente.
Eu sei do que falo. Também um dia fui ver a lista de colocações, onde me calhou Boticas, entre Montalegre e Chaves. Naquela altura, a viagem de carro durava pelo menos cinco horas, no Verão, e seis ou sete no Inverno, a partir do Porto, onde vivia. Não conhecia ninguém em Boticas, que não tinha então nenhuma pensão. Isso queria dizer alugar uma casa, se houvesse. Na economia precária de um professor, a que tinha que se somar as viagens e as refeições, pesava. Depois, por mérito dos homens e mulheres de Boticas, nunca esquecerei o tempo que lá passei, mas isso já nada tem ver com os professores.
Nenhuma profissão em Portugal, nenhum sector com este peso numérico, está nestas condições. Em abstracto, até não acharia mal que quem está no início da sua carreira, aceite como normal uma grande mobilidade geográfica. O nosso comodismo profissional e o garantismo na função pública faz com que ninguém se mexa e, mesmo quem precisa de ter um primeiro emprego, se comporta como lhe sendo devidas condições que, noutros países e noutras profissões, toda a gente acharia normal. Insisto, não acho anormal esta instabilidade geográfica numa fase inicial de carreira, em que ter um emprego se paga com sacrifício. Mas não é disso que se trata. Do que se trata é do estado infernizar desnecessariamente, por erros seus, a vida de muitos milhares de pessoas. Pelo menos um pedido de desculpas lhes era devido.


AVANTE PARA TRÁS

O PCP é um caso típico de uma organização política acossada, encostada a um canto, sem poder sair, sem respirar, sem ser capaz de “fazer ondas”, como o mais pequeno estremeção do dr. Louça é capaz de fazer. É uma injustiça irónica da história, para com essa máquina perfeita de poder, que foi o PCP, quase uma vingança do fim do século XX, como se este não quisesse acabar sem antes pôr em ordem todos os seus demónios: o nazi-fascismo em 1945, o comunismo em 1989.
O que é que acossa o PCP? Muita coisa: toda a história do “socialismo real” soviético, toda a história do comunismo, os defeitos dos comunistas portugueses, as qualidades dos comunistas portugueses, o cansaço, a velhice, e a perda de vitalidade social da única instituição política portuguesa que não era “interclassista”. Como era “classista”, dependia das classes que nele se reviam, como muitos trabalhadores industriais do sul e trabalhadores rurais alentejanos. Com o declínio dessas classes, o PCP, que já fora obrigado a sobreviver à orfandade soviética, estiolou.
Há uns anos, disse do PCP que era uma “dinâmica organização da terceira idade” Hoje já nem dinâmica é. Depois, como os males nunca vem sós, o PCP é vítima da arrogância para com os mais fracos, que hoje a comunicação social tem. O PCP, que pôde contar durante muitos anos com a cumplicidade da comunicação social, que manifestava um completo respeito reverencial, acabou soterrado na mais terrível lama, a da indiferença. Com este misto de indiferença, e comiseração, está condenado à irrelevância.
Onde é que está a injustiça irónica nos dias de hoje deste destino? Simples: o PCP é ainda socialmente muito mais importante do que o BE ou o PP. Não só: é também muito mais importante eleitoralmente. Só que não o é em termos culturais e comunicacionais, e na, sociedade do espectáculo, isso significa não existir politicamente.

TERRAS DE HABITUAL SOFRIMENTO

Vale a pena dizer mais alguma coisa sobre o massacre das crianças ossetas? Não sei. Para quem conhece a Rússia do interior ,tudo o que se viu em Beslan é familiar. As casas estragadas, feitas com materiais baratos, as ruas pouco cuidadas, o parque automóvel “soviético”, as roupas baratas, simples nos homens e falsamente espaventosas nas mulheres, as batas, as kalashnikovs nas mãos de todos, a profusão de fardas diferentes, a confusão, a mistura entre a coragem individual e a incompetência criminosa. Nada engana: estamos numa província pobre e desleixada, lá para o fundo de parte nenhuma, do lado de trás do comunismo extinto e dos “novos capitalistas” das matérias-primas.
É um povo que preza a escola, que considera que o primeiro dia de aulas é uma festa cívica, que deve ser recordada toda a vida numa fotografia cheia de laçarotes ou num vídeo com rapazinhos vestidos de crescidos. Foi num dia destes que a Ossetia do Norte descobriu com horror aquilo que sempre soube mas nem sempre quis lembrar – que tem uma das geografias mais perigosas do mundo do século XXI, entre as montanhas chechenas, e os vales sem lei da Geórgia, entre os rivais inguches e os separatistas da Ossetia do Sul, na fronteira de todas as mortes (como essa outra fronteira das Balcãs) que é o Cáucaso. Na Europa.


O PIOR ARTIGO DA SEMANA
António Tabucchi, “Vergonha de Verão”, Diário de Noticias, 5 de Setembro.

Nestes dias, o artigo de Tabucchi é um exemplo da ambiguidade que muitos intelectuais da esquerda radical têm em relação ao terrorismo. Escrito como uma defesa de Adriano Sofri, antigo dirigente de Luta Contínua, condenado pelo assassinato de um polícia, é um retrato sectário e enraivecido da Itália contemporânea. Não conheço o “caso Sofri” para me pronunciar sobre ele com as certezas de Tabucchi. Mas uma coisa eu sei – falta um parágrafo fundamental na sua diatribe contra a “Itália idiota, mesquinha, arrogante, vulgar…”, etc. Este:

“Essa Itália onde, havendo democracia e liberdade, um grupo de deserdados do catolicismo progressista e do leninismo organizacional, chefiados por estudantes e intelectuais arrogantes, condenava à morte políticos, polícias, empresários, chefes de pessoal, sindicalistas, e batia-lhes à porta de casa para lhes disparar uma rajada de metralhadora, ou, aos mais felizes, baleava nas pernas. Essa Itália, sinistra e cruel, que levou mais longe do que qualquer país da Europa, a enorme violência terrorista das ideias abstractas pelo poder de matar alguém.”

Disto, Tabucchi esqueceu-se.

15.9.04

SEM CARROS E SEM CABEÇA (Setembro 2000)

Há várias razões porque o "politicamente correcto" tem sucesso em Portugal e todas têm a ver com as nossas fragilidades. A primeira e a mais importante, diz respeito à debilidade da nossa vida pública, à ausência de debate contraditório, à facilidade na demagogia modernista, ao palavreado tão desempoeirado como superficial, nalguns casos ao logro puro e simples. Um exemplo gritante dessa facilidade que tem o "politicamente correcto" em dominar tudo, foi a forma como correu o chamado "Dia sem Carros".
O "Dia sem Carros" é uma daquelas iniciativas bem avontadadas e inócuas pela qual hoje se permite aos governantes nacionais e europeus terem uns discursos amáveis sobre o destino do mundo e o bem que eles todos os dias fazem aos seus eleitores. Como é normal nas cidades europeias melhor preparadas para se viver sem carros, a iniciativa não foi levada a sério e passou desapercebida de todos. Em Portugal, como de costume, o atraso correspondeu à apoteose. Nenhum país da Europa deve ter vivido com tanta excitação o seu "Dia sem Carros".
Como acontece hoje, estas "soft issues", que não implicam nada mais do que a exposição das boas intenções de quem nos governa, estão sempre pela sua natureza acima da crítica. É da natureza destas "soft issues" não resolverem nenhum dos "hard problems" que elas aliás fazem por substituir, porque é da natureza do "politicamente correcto" evitar, adiar, esconder os problemas, porque defrontá-los divide, expõe, polariza. Polarizar é hoje uma coisa que nenhum dos políticos de marketing quer. Eles só querem que o Tide seja mais vendido que o Omo, e nunca que haja um exército aguerrido de partidários do Tide contra o Omo e vice-versa, não vá ganhar a rude lixívia. Está na natureza dos detergentes.
Vejamos o "Dia sem Carros" em Portugal. A verdade que a todo o custo se nos pretende ocultar é o do completo falhanço do objectivo do "Dia sem Carros". O objectivo era mostrar que se pode viver na cidade sem carros, e as pessoas necessariamente responderam que não. Faltaram aos empregos, não levaram os filhos à escola, não fizeram a sua vida normal, consideraram que o dia era um feriado a mais e aproveitaram para alargar o fim de semana. Não admira que gostassem de ouvir os passarinhos.
Os nossos governantes sabem que não há nada como uma ponte, um feriado, uma tolerância de ponto, para satisfazer uma parte da população dentro do velho princípio do panis et circensis. Eles também sabem que o problema não está no "circo" mas no "pão" e que Portugal tem feriados a mais, férias a mais, e uma baixa produtividade – só que não convém dizer isso no "Dia sem Carros". Dizer quanto custou à economia nacional.
E, por isso tudo correu muito bem. Aliás nem se compreende se, como disse João Soares, tudo está preparado para que Lisboa funcione sem carros, com os excelentes transportes públicos que a gente sabe que a cidade tem, que pura e simplesmente não se continue com a iniciativa. Se proibir os carros melhora a vida de tudo e todos, porque não proibir sempre, porquê não remeter o tenebroso carrinho para as garagens suburbanas e restituir a "qualidade de vida" tão exemplar de Lisboa? Isto chama-se deitar areia nos olhos das pessoas, a mesma areia que vai continuar a fazer uma cidade que torna inevitáveis e obrigatórios os carros, o caos urbano e trânsito, numa cidade que nem sequer consegue cumprir o regulamento de cargas e descargas, quanto mais não ter automóveis.
Se se tratava de um caso de pedagogia cívica porquê a obrigatoriedade? Se as autoridades estão assim tão certas das virtudes da iniciativa porque razão é que não apelaram a um abandono voluntário dos carros, a criar condições para que aumentassem os serviços de transportes públicos, a facilitar a vinda de bicicletas, trotinetes, patins, cavalos e burros ao centro da cidade. A razão é muito simples: toda a gente percebe que o apelo não seria seguido e o afluxo dos transportes "alternativos" iria aumentar o caos urbano. O "politicamente correcto" não pode correr o risco do voluntariado, porque isso mostraria a sua falta de apoio - precisa da obrigação, da proibição.
Outra razão do sucesso do "politicamente correcto" é a hegemonia da esquerda sobre a comunicação social e logo a facilidade com que esta embandeira em arco com iniciativas destas. Há quanto tempo nenhuma grande cadeia de televisão nacional, a começar pela RTP pública que é suposto retirar daí a legitimidade para a sua existência, faz um debate contraditório sobre alguma coisa? Mas está tudo tão anestesiado que ninguém se pergunta porque razão, no meio de tanta cobertura especial, não se ouviu ninguém atacar a iniciativa. Não é estranho num país democrático? Felizes os países com esta unanimidade.
A razão é simples: o politicamente correcto não suporta o debate, a controvérsia. As suas justificações estão sempre no terreno intangível dos bons princípios, das boas vontades, das boas intenções, que duvidar só pode ser um acto de maldade, ou egoísmo. Como pode a virtude discutir com o vício?
Porque se houvesse debate alguém certamente lembraria ao Ministro Sócrates que faz parte do único governo da Europa que subsidia a gasolina barata, numa política de combustíveis errática e cujas ondas de choque perturbam as finanças e a economia. Quando os combustíveis derem o salto que inevitavelmente vão dar no próximo ano, só faltava que então aparecessem "verdes" razões, que agora convenientemente esqueceram.
Porque se houvesse debate alguém lembraria que o "Dia sem Carros" é, como quase tudo no "politicamente correcto", socialmente injusto e que o seu preço será, como sempre, pago pelos mais pobres. Os ricos podem bem sobreviver a muitos "Dia sem Carros", os remediados e os pobres, os que precisam do carro para trabalhar, ou aqueles que precisam de gente nas ruas e fácil acesso às cidades para as suas actividades comerciais, esses pagaram a demagogia. Aliás, que eu saiba, nenhuma das grandes superfícies comerciais de Lisboa, estava inacessível por carro.
O "politicamente correcto" é uma das formas modernas de demagogia. Aquilo que à direita faz o Dr. Portas, à esquerda fazem os apóstolos do "politicamente correcto". Há muita mais ideologia na demagogia do que o que se pensa. Da mesma maneira que a direita se excita quando há um assalto, a esquerda embandeira em arco quando pode atacar o consumo e o individualismo. E de há muito tempo, o vil carrinho está na linha da frente dessas críticas. O resultado está à vista. Portugal mais longe da Europa, a Europa cada vez mais longe dos Estados Unidos. Pensam que não é por estas coisas? É. É muito por causa destas coisas, o que elas representam, o que elas impedem e o que elas custam.

14.9.04

A RE-NACIONALIZAÇÃO DA COMUNICAÇÃO SOCIAL (Dezembro 2000)

A compra da Lusomundo pela PT e a hipótese de se concretizar idêntica compra da Media Capital, junta na PT um dos grupos mais poderosos de comunicação social em Portugal. Com um mesmo dono ficarão entre outros o Diário de Notícias, o Jornal de Notícias, a TSF, portais do Internet e eventualmente a TVI, o Diário Económico, e vários outros jornais regionais e rádios. A justificação oficial dessa compra está na necessidade de unir "conteúdos" com plataformas de telecomunicações, uma tendência característica dos "negócios" na área estratégica da nova economia. Tudo isto parece idêntico ao que se passa nos outros países e o "negócio" fundamentado em tendências correntes da economia. Mas esta inocente análise, tão conveniente ao poder, esconde uma perigosa consequência para a qualidade da nossa democracia.
O que se passa na realidade é a re nacionalização da comunicação social em Portugal pelo estado, feita por um governo socialista que tem uma longa tradição de defender uma comunicação social do estado, e com idêntico historial de se opor à privatização. Nenhuma privatização de qualquer órgão de comunicação social do estado foi de iniciativa do PS, que se lhes opôs no tempo de Cavaco Silva, defendendo a outrance os monopólios não só da RTP, da RDP, e da Lusa públicas, mas também que um órgão de comunicação social escrita, o Diário de Notícias, permanecesse no sector público. Felizmente que tal não aconteceu.
Hoje tal desejo estatizante foi conseguido por detrás da capa dos novos "negócios" e será provavelmente esta a via que condicionará a evolução da RTP, que será parcialmente (e falsamente) "privatizada", colocando nas mãos disfarçadas do Governo, através das mãos descobertas dos gestores por ele escolhidos, decisões fundamentais para a liberdade de expressão e o debate contraditório em Portugal. Todo este processo está a desenvolver se no meio da habitual indiferença da opinião pública e incompreensíveis hesitações da oposição.
Alguns directores de órgãos de comunicação social do grupo Lusomundo, entenderam escrever editoriais ou dizerem que o "negócio" não impedia a liberdade editorial que eles próprios garantiam nos órgãos de comunicação. Não contesto a genuinidade das suas convicções de que assim seja, mas acho que, estão a ser pouco cautelosos e a desprevenir os seus leitores e ouvintes, e em geral os portugueses quanto às consequências do que se está a passar. De facto, como jornalistas, com responsabilidades de direcção, eles devem ser os primeiros a saber que justificar o que se passou como se fosse "apenas" um "bom negócio" nestes tempos de nova economia ilude o essencial: o papel do governo no "negócio" e a dependência do governo da PT através da chamada "golden share". Eles vieram garantir com grande ingenuidade, que nenhum comando político será possível, visto que as opções do "negócio" não terão reflexos editoriais e, que se tratava por parte da PT, apenas de comprar "conteúdos", para potenciar a sua plataforma de distribuição. A própria justificação deste "negócio", feita desta forma acrítica, é já preocupante.
O que se passa é que nesta aquisição da PT há questões políticas incontornáveis e que devem ser descritas com toda a clareza para se perceber bem: quem manda na PT é o governo, e dificilmente alguém imagina a decisão da compra da Lusomundo (e eventualmente de outras compras a haver) sem que tal passasse por uma decisão do governo. Tem sido política do tandem, Primeiro Ministro Guterres, Ministro Pina Moura, privatizar na aparência, e reforçar o controle do governo através de golden shares, do exercício da tutela e da nomeação de gestores de confiança política, e da interferência directa do governo em actos normais de gestão. Isto coloca a decisão da PT numa luz diversa da de um mero "negócio". A PT não é uma empresa privada qualquer é um instrumento "estratégico" do governo e do poder socialista e já não é de agora que é assim.
Dito com a brutalidade das grandes verdades, a cadeia de comando vai do Ministro Jorge Coelho, para o Presidente do Conselho de Administração Murteira Nabo e, quer um quer outro, não são pessoas vulgares mas socialistas com funções politizadas: o Ministro Coelho é o que se sabe e o Eng. Murteira Nabo só não foi ministro, pela razão que também se sabe. Com a golden share do estado, as decisões últimas sobre qualquer grande negócio da PT vão a Conselho de Ministros, formal ou informal, e é por isso que quando eles estão a mexer nos "conteúdos", mesmo que em nome dos "negócios", se possa suscitar necessariamente uma questão política séria de liberdade e pluralismo. E se não se suscita, então a coisa é ainda mais séria, porque se está a jogar ou no amorfismo ou, pior ainda, em obscuros compromissos de que muitas vezes a própria oposição não está isenta, em empresas geridas pelo método do "bloco central".
Na verdade, o que se está a passar é que sob a autoridade última do governo socialista, se encontra hoje o mais poderoso grupo da comunicação social existente em Portugal e a acrescer exponencialmente, somando se aos canais da televisão e da rádio pública eles também cada vez mais governamentalizados. Este grupo, que tem aliás todos os tiques de um monopólio de estado, agora possui "conteúdos". A palavra "conteúdos", é um eufemismo enganador, que também tem sido usado com uma displicência inadmissível pelos defensores do "negócio". Esses "conteúdos" são o jornal que nós lemos, a televisão que vemos, a rádio que ouvimos. Antes era jornalismo, agora é um "conteúdo".
Já ninguém é suficientemente ingénuo para pensar que a interferência do governo na comunicação social se faz por telefonemas directos dos ministros, embora ainda os haja. As formas são mais sofisticadas, uma das quais são as "reestruturações" em nome da eficácia dos "negócios" que condicionam carreiras, postos, compromissos e o destino de jornais e rádios. Também aí há alguém a premiar quem se porta bem e quem se porta mal e esse alguém está no governo, ou depende do governo.
EM DEFESA DO SERVIÇO MILITAR OBRIGATÓRIO

De todas as alterações enunciadas na proposta de revisão constitucional do PSD há uma que atinge o cerne da identidade do nosso Estado e é particularmente sensível num momento em que as questões da soberania e da independência se tornaram centrais no debate político devido ao processo da União Europeia: a constitucionalização (ou não) do serviço militar obrigatório. Salvo duas ou três vozes discordantes, isto tem passado desapercebido no conjunto das propostas, e é mau que assim seja a eventual desconstitucionalização do "serviço militar obrigatório" remete para questões mais importantes do que as mudanças do sistema político (sistema eleitoral, regionalização, etc.), e toca na essência "republicana",- no sentido mais clássico do termo de res publica, e não na antinomia república - monarquia -, do regime e na relação entre a democracia e a soberania nacional. Esta assenta também numa "servidão" igualitária do máximo risco: o da morte em combate em defesa da independência da soberania e da liberdade.
A proposta hoje avançada pelo PSD de desconstitucionalização do serviço militar obrigatório - e que é um passo para a profissionalização das nossas forças armadas mudando-lhe decisivamente o seu carácter e a relação qualitativa que tem com o poder político e a nação, - parece-me demasiado motivada pela cedência a um facilitismo existente na opinião pública. Há hoje uma crescente dificuldade em justificar, pela ausência de um pensamento de Estado e sobre a nação sólido e coerente, a própria existência de forças armadas permanentes. Foi, aliás, este mesmo facilitismo, com apoio da opinião pública, que tem destruído por dentro o serviço militar obrigatório, não só impedindo o esforço de modernização das forças armadas, - que implica mais dinheiro para uma causa pouco popular -, como a diminuição progressiva do serviço militar obrigatório para uma duração completamente incompatível com uma preparação militar meramente adequada, cada vez mais exigida pelo manuseamento do armamento actual.
É uma tendência das sociedades democráticas ocidentais que se tem pago cada vez mais caro em termos de impotência política como se viu com a lentíssima complacência face ao conflito jugoslavo e ao seu progressivo agravamento. É também uma tendência que se pode revelar perigosíssima, se como penso, os conflitos a leste, até agora em grande parte civis e intra-muros, escalarem para conflitos nacionais e internacionais. Ou seja: se a prazo, como também penso que irá acontecer, a política externa russa retomar os objectivos geopolíticos da antiga URSS.
É verdade que Portugal viveu muita da sua história sem "serviço militar obrigatório", que é uma "invenção" da Revolução Francesa. Os exércitos que combateram na Reconquista, a marinha que combateu nos mares e nas costas da Índia, as tropas de Aljubarrota, ou que combateram com os ingleses os soldados de Napoleão, nada têm em comum com o que hoje chamamos "forças armadas" que só emergiram com muita dificuldade no século XIX.
É também verdade que países como o Reino Unido tem de há muito tempo uma tradição militar completamente distinta do modelo republicano da levee en masse , e nem por isso deixam de ter um forte sentimento de identidade nacional nem forças armadas capazes. Mas o Reino Unido tem na Europa uma "peculiaridade" histórica que deveria levar a muita prudência na sua imitação e na transposição para Portugal a outros países europeus, de cópias dos seus modelos que, como é óbvio, não funcionam fora da sociedade e da história que lhes deu origem. Os "modismos" ingleses em Portugal estão aliás a pagar-se caro na irreflectida cópia das propostas do sistema eleitoral, ou na legislação sobre a "transparência". As forças armadas inglesas, baseadas numa consolidada tradição militar regimental, num sistema elitista de recrutamento, moldado aliás pelo sistema de ensino, e pela presença nítida de uma diferenciação social sem paralelo no continente europeu, não são copiáveis para um país com a nossa história e a tradição. Nem isso é obviamente realista, e só é utilizado como argumento para debate, aliás revelando muitas vezes ignorância.
Por tudo isto fica aqui um apelo: discuta-se ao menos seriamente esta questão. Compreenda-se que mudá-la, muda muito mais do que certamente os que a propõem imaginam.

10.9.04

A LAGARTIXA E O JACARÉ 3 (Setembro 2004)

O QUE É QUE É HOJE NOTÍCIA?

Futebol. Futebol. Futebol, a máquina que nunca para. Jogos de primeira, um noticiário completo. Jogos de segunda, metade do noticiário. Jogos de terceira, um quarto do noticiário. Antes dos jogos, uma semana de declarações e incidentes com as declarações. Barulho, bravado, peito cheio, pedidos de desculpas, insinuações, acusações, “blackouts”, “só entras tu que respeitas o clube”, drama, corrupção, intrigas, etc., etc. “Eu disse isso ontem? Já não me lembro.” Agressões no jogo? Não, “os jogadores vivem o jogo com muita intensidade”. Relatos médicos, constituição das equipas, entra este, sai aquele, aqueloutro está zangado por não entrar, fala o treinador “aqui mando eu”, fala o jogador, “não foi isso que eu disse, são especulações”, etc., etc. Chegada aos jogos, saída dos jogos. Entrevistas à entrada nos dias habituais. Sócios vociferantes, um homem que se chama o “barbas”, Eusébio passeado como mascote. O que comem, o que não comem. Médicos, massagistas, famílias avindas e desavindas. E não se esqueçam, deixem lá estar as bandeirinhas, que a pátria é nos estádios que “se sente”. “Portugal é o estádio da Europa”. Pois é.

Acidentes, grandes e pequenos. Muitos mortos está bem, manda-se uma menina perguntar às pessoas como se sentem. Ou aos familiares dos mortos como é que soube que ia ser familiar dum morto. Acidentes pequenos, quando não há grandes, pergunta-se ao GNR ou ao bombeiro. Procurar a culpa, sempre procurar a culpa.

Atrasos de aviões, ideal para o Verão. Comprou uma viagem barata ao Brasil, ao paraíso de Fidel, à terra do Porfírio Rubirosa (não sabe quem é? Vá estudando que o homem é um Paradigma de políticos), a essa nova qualidade de sítio que são “os resorts”? Pois prepare-se que os aviões também são baratos e o serviço péssimo. Cinco minutos de telejornal, mais um pré-anúncio à cabeça. Grupos de veraneantes estudando o canto mais obscuro do aeroporto, depois de ter ido mil vezes ao “free-shop” experimentar os perfumes. Imensa gente, mulheres, homens, com fitinhas de pano nos pulsos. Que será? Ferro de marcar? Porta vozes espontâneos entre os passageiros não faltam. Toda a gente quer dizer alguma coisa na televisão. Televisão para o escritório, para a repartição de finanças, para o “coffee-point”, onde se discutem as férias do próximo ano.

Tragédias da vida real. Pessoas doentes, acamadas, tristes, que precisam de uma cadeira de rodas, que vivem a um canto do mundo dão sempre uma boa história “de vida” para cativar o público feminino, os velhos, os doentes que estão do outro lado do ecrã. Para além de mais há sempre um benemérito que dá, nos próximos cinco minutos, a cadeira de rodas. Dores, camas pobres mas arranjadas para quando a televisão aparece. Mulheres chorando a pedir uma casinha. Agora, adeus, vamos ao próximo doente.

Tudo o resto, que maçada!

Agora imaginem o que é crescer assim, banhado nesta televisão do Terceiro Mundo, que sabemos ser hoje o principal factor de socialização nas crianças. É possível mais tarde inverter as prioridades do ecrã? Duvido. Como em muitas coisas dependerá da origem social, algumas das mais ricas inverterão a situação e será delas o poder da televisão do futuro.


NÃO HAVERÁ AÍ UMA PEQUENA CONTRADIÇÃO?

Toda a gente que fala dos males do país refere os dilemas da nossa educação, má preparação profissional, baixa qualificação, resultados desastrosos em todos os indicadores decisivos – língua nacional, primeira língua estrangeira, física, matemática – iliteracias diversas, como factor decisivo do nosso atraso. Depois, na economia da nossa discussão pública e do escrutínio da comunicação social, os ministérios-chave (educação, universidade, ciência, formação profissional), esses problemas são tratados como de importância secundária, como se viu na discussão da constituição do governo. Não nos tomamos a sério ou o nosso atraso leva a vermos sem ver.

PESO DA HISTÓRIA

Cada um tem o peso da história que pode suportar. Os portugueses vivem dobrados ao peso dos descobrimentos, os gregos da antiguidade clássica. Os Jogos Olímpicos “modernos” colocam a questão aos gregos, hoje vivendo na memória de um passado glorioso e de um presente suficiente. Somos os mesmos? Os portugueses de hoje são os mesmos que iam com Fernão Mendes Pinto matar chineses e saquear barcos e fazendas? E os gregos são os mesmos das Termópilas ou da retirada dos dez mil? Bem sei que há muito de retórica na pergunta e que a pergunta é traiçoeira. Somos e não somos. É a insegurança do presente que faz a pergunta. A mesma pergunta foi feita no passado, exactamente no momento em que hoje a consideramos desnecessária. Sá de Miranda, fê-la quando via o reino despovoado pela canela, ele também sentindo-se inseguro. Mas, varrida quase toda a retórica, varrida a insegurança, sobra um resíduo de perturbação que ainda dá uma réstia de sentido à pergunta. Eça escreveu um esboço de resposta na Ilustre Casa de Ramires, uma metáfora sobre Portugal, e nalgumas ironias de Fradique Mendes. Se calhar somos o mesmo, a nossa “organização” é que não é a mesma e por isso estamos pior.


AS EXECUÇÕES IRAQUIANAS

Apesar de alguns tímidos protestos ocidentais as execuções de estrangeiros no Iraque não merecem sequer uma manifestação de rua, muito menos uma indignação a sério. Essas estão reservadas para o presidente Bush. Os trabalhadores turcos, os motoristas paquistaneses, os membros de organizações humanitárias, os responsáveis pela ONU, pela UNICEF, pela OMS, os trabalhadores que estão a ajudar o Iraque a ter electricidade e água e serviços básicos, os jornalistas ocidentais, são um alvo fácil e perturbador. Perturbador porque atinge o próprio esforço de estabilização do Iraque e de melhoria das condições de vida, fundamental para a retomada da plena independência e soberania.
Agenda dos assassinos? Simples. A da Al-Qaeda é a que se conhece. A dos rufiões do Baas, militares, burocratas, membros da polícia secreta, é também simples: impedir a todo o custo a democratização do Iraque e fomentar o conflito civil para manter a maioria da população, os xiitas em particular, debaixo de uma ditadura férrea. A tiro, bomba e espada (para decapitar os reféns) pretendem regressar ao poder, para brutalizarem os seus concidadãos, e viverem na corrupção e opulência habitual, temidos pelos vizinhos, colocando os seus filhos nas universidades estrangeiras, comprando Chanel para as esposas, e mobílias de torcidos e tremidos em dourado para as suas casas confortáveis. Vale bem o custo de meia dúzia de dólares a bandos de assassinos para executarem um estrangeiro. São tão nacionalistas como eu sou zulu e, como eu não sou zulu, custa-me ver a imensa indiferença politizada face a estes crimes terroristas nas nossas protegidas costas ocidentais. Vítimas da perversa ideia que não são eles que os mataram, mas sim “nós”, talvez o presidente Bush.
A LAGARTIXA E O JACARÉ 2 (Setembro 2004)

O VAZIO DO SOCIALISMO REAL

É difícil imaginar uma discussão com tão pouco interesse como a que atravessa o PS. Alegre, Sócrates e Soares andam à volta de meia dúzia de lugares comuns do “socialismo”, tentando encontrar uma geografia adequada – mais ao centro, mais à esquerda, mais moderno, mais novo, mais charmoso – para colocar candidatos, não dizendo absolutamente nada sobre o Portugal que eles remotamente pretendem governar.
A verdade é que a sociedade mediática vive desta despolitização, dando-nos em troca a valorização da imagem, ou seja, da persona que os candidatos apresentam no espectáculo da vida pública. Aí, Soares é claramente o prejudicado e, apesar das suas qualidades pessoais, que as tem, aparece apenas como chefe de uma facção interna a querer espaço para o seu grupo. Os outros dois, Alegre e Sócrates, polarizam a competição, o velho e o novo, o antiquado e o moderno, o de esquerda e o de direita, tudo coisas que ajudam muito os jornalistas a organizar a cabeça deles, pelo método da simplificação, e a nossa, pelo método da sucção.
Alegre, quando fica solto nas entrevistas, dá a perceber que é uma pessoa com princípio, meio e fim. Ali está um tipo, com vida, que já viu muita coisa, que tem gostos e leituras e não precisa de “deixar cair nomes” para mostrar que é culto. Às vezes deixa-se enroupar nos fatos de “consciência crítica” que lhe tecem, amigos e adversários, e gosta de ser a “voz da liberdade”, proclamando – porque Alegre tem duas maneiras de falar, uma normal, outra, tribunícia – coisas certas, exageros e asneiras insensatas. Tem péssimas ideias sobre o “socialismo”, mas desiludam-se os que pensam que é só ele que as tem. Os media dizem, contra ele, que é velho, mas nesse insulto há mais ressentimento contra a sua espessura do que qualquer verdadeiro argumento. Porque, no fundo das coisas, Alegre gosta de pescar o seu peixinho, na solidão das águas. E, na solidão das águas, tenho a certeza que pensa consigo mesmo coisas mais sensatas e moderadas, porque os homens com vida são assim e ele de plástico não é. De todos é talvez o que menos se escolheria a si próprio e melhor saberia escolher os outros.
Tinha uma opinião positiva sobre Sócrates ministro, em particular por causa do conflito à volta da incineração de resíduos. Ainda hoje penso que tinha razão, e os ecologistas do meu partido, que o combateram, não fizeram senão adiar o problema sem o resolver, agravando-o. Mas perdi muito dessa ideia quando o vi nos debates com Santana Lopes: vaidoso, melífluo, redondo, a tentar estar de bem com Deus (do PS) e com o Diabo (à frente dele). Estava, como hoje se diz, a “posicionar-se”. A célebre entrevista ao Expresso revelou-o com toda a crueldade, e os remendos aos remendos que têm sido as suas intervenções públicas mostram o enorme vazio das suas opiniões.
Quem pense que as ideias de Sócrates, a sua versão deslavada do mesmo “socialismo” de Alegre, são melhores para Portugal, só pode ter amnésia. O governo do seu mentor, o engenheiro Guterres, foi o que pior fez ao país nas últimas décadas, sem ter o ónus da ortodoxia de esquerda de Alegre.
Socialismo por socialismo, nos últimos anos, o deslavado custou-nos mais caro. Pessoa por pessoa, Alegre tem muitas vantagens. Ideias por ideias, venha o Diabo e escolha. E se calhar vem.


A FRASE REVELADORA - O Medo Do Primeiro-Ministro

"Não tive medo de dizer o que sempre me pareceu mais correcto, mesmo indo contra a maioria; não tive medo de ficar só quando os outros alinhavam por caminhos mais fáceis; não tive medo de desafios e de combater por aquilo em que acreditava".
Santana Lopes, Carta aos Militantes do PSD

Porque é que o Primeiro-ministro tem uma obsessão com o medo? Explico-me: porque razão é que ele, na sua actual encarnação governamental e nas anteriores encarnações como candidato partidário e a várias eleições, está sempre a dizer que não tem medo? Penso que em nenhuma entrevista ele deixou de dizer que não tinha medo, e centenas dessas declarações estão disponíveis.

Há várias razões. Uma, retórica: ao dizer que não tem medo, está a dizer que é corajoso, e o Primeiro-ministro é notório por se auto-elogiar em tudo o que diz. O seu discurso não é sobre a polis, mas é sobre ele próprio. Depois, pode-se sempre considerar a expressão um exorcismo: quem tem medo precisa de repetir sempre que não tem. É uma encantação, mais do que uma afirmação.
Há pelo menos um medo que ele deveria ter, acima de qualquer outro: como dizem os americanos, "you live by the press, and you die by the press” - “vives pela imprensa, morres pela imprensa”. E desse medo nem os guarda-costas das costas, nem os guarda-costas da imagem, os assessores da dita, o podem proteger.


Titã : um planeta a sério

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Aqui está um planeta a sério e não um qualquer calhau rolante, daqueles que são multidão nos céus. Grande, maior que Mercúrio, e depois estas cores (exageradas para as vermos melhor) não enganam: atmosfera! Ali estão gases familiares, daqueles perto da vida. Perto apenas, porque pode não haver vida nenhuma. Mas perto é já muito, porque conhecendo Titã conhecemos melhor a terra primitiva, a nossa sopa orgânica primordial. Se tudo correr bem, em Janeiro do próximo ano, lá pousará uma sonda para ver melhor de que massa somos feitos. Neste momento em que escrevo, acabou de desligar um dos foguetes para corrigir a trajectória. Tudo bem.


TRAIDORA TRADUÇÃO – A mentira dentro da cidade

Há um pequeno livro de Pierre Vidal-Naquet chamado Le Miroir Brisé e com subtítulo “ a tragédia ateniense e a política”, de tradução obrigatória. Não chega a cem páginas, este ensaio sobre o teatro grego e as suas implicações políticas, mas quase tudo está lá puro e limpo, nas discussões atenienses sobre a cultura, a sociedade e a política. A actualidade dos problemas é total e fazíamos bem em aprender com os gregos a colocá-los na sua simplicidade original.
Num célebre diálogo comentado por Vidal-Naquet, a partir da biografia do legislador Sólon feita por Plutarco, cita-se esta troca de opiniões a propósito dos espectáculos de teatro:

Sólon - “Não é uma vergonha, (…) dizer tantas mentiras diante dos espectadores?”

Thespis, o seu interlocutor, responde que não. Não há problema nenhum nisso, porque, no fundo, se trata de um jogo. Sólon ficou furioso, bateu com o seu cajado no chão, e disse:

“Se honramos esta espécie de jogo, nós o encontraremos muito em breve nas convenções que nos ligam”


Ou seja, se aceitamos a mentira ficcional, como é que depois a combatemos no espaço público da cidade, na sociedade, nos negócios, na política? O problema de Sólon está no cerne da sociedade mediática dos nossos dias, onde o espectáculo (a mentira, a ficção) dissolveu a tal ponto todos os outros tecidos sociais (as “convenções que nos ligam”) que cada vez mais a ilusão e a realidade se confundem e, em caso de dúvida, manda a ilusão. Até que a realidade nos aparece como uma parede. Sólida.